Comunidade Terapêutica X Recuperação - Como e porque...
Muitas matérias, vem sendo divulgadas em virtude do caos gerado pela epidemia do crack. O crack, é realmente uma das drogas "apocalípticas" podemos dizer assim, pela: velocidade com que se espalha, pela rápida dependência que instala no usuário, e pela "destruição humana" e social que causa em velocidade igualmente rápida.
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"Cachimbo" de crack ("mãos do crack"...) |
A cocaína, proporciona cenários parecidos, mas não iguais ao crack. Ainda devemos dar graças a Deus, pela ausência quase que total da heroína em nosso país, esta, tão terrível ou mais que o próprio crack, e muito mais devastadora eu diria, sob determinados aspectos. A Rússia, por exemplo, luta há muito contra a heroína, e se não bastasse, vive uma situação parecida como a que aconteceu em relação à cocaína/crack no Brasil. Ou seja, a epidemia do crack se iniciou digamos assim, devido a potencialidade de ação da droga, mas devido ao preço também, há alguns anos atrás. Em equiparação, lá no leste europeu, em substituto à heroína, encontra-se o "krokodil" (AVISO: Imagens Fortes), uma desomorfina, droga obtida através da codeína e dezenas de outros produtos corrosivos.
Um rápido comparativo (Obs: assim como o efeito do crack, se comparado com a cocaína, é de menor duração, o mesmo ocorre entre o krokodil e a heroína):
- O valor de uma dose de heroína na europa custa em média de 30 a 200 Euros, o equivalente a cerca de 80 a 600 Reais (as diferenças se devem ao tipo da heroína, e do país, na Suécia por exemplo pode chegar a 220 euros, na Eslováquia, 20 Euros (Dados do EMCDDA), enquanto que o valor de uma dose de krokodil, está em uma média de 4 Euros apenas, ou 10 Reais.
- No Brasil, o valor em média de um grama de cocaína comercial (com um grau de pureza entre 60 e 80%, varia entre 30 e 80 Reais. O valor de uma pedra de crack (cerca de três doses), pode variar de 5 a 15 Reais no máximo.
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Usuários de crack |
Portanto, de leste a oeste, e de norte a sul do Brasil, existem notícias do crack, da epidemia do crack, esta, fruto da natureza humana que busca o prazer, consequência muitas vezes de uma cultura de centenas de anos iniciada errada, e que continua errada.
Entram aí o uso e abuso do álcool no núcleo familiar, políticas públicas despreparadas, condescendência com a publicidade explícita de bebidas alcoólicas por muitos anos, desinformação da população com respeito à droga de um modo geral, e por aí vai.
Não faz muito tempo, ouvi de um adolescente (que estava ao lado de sua mãe), que preferia que seu filho um dia fumasse maconha, que cigarro, pois maconha não faz mal. Sendo que a mãe, que não fez nenhum comentário, ainda fez graça, junto com a irmã que estava ao lado dos dois, sugerindo que o mesmo já estaria fumando um "baseadinho". O guri, disse por sua vez, que não gostava do cheiro, por isso não usava e tal. Este menino tinha creio eu, uns 12/13 anos.
Sei, que este, não é um caso isolado, infelizmente. Ora, totalmente inocente, pessoas jovens e crianças desinformadas, mães desinformadas totalmente sobre questões de drogas, e sobre educação até. Um absurdo, mas, é a realidade.
Claro que não faço aqui defesa ao cigarro, que também é uma droga (apenas lembrando que o cigarro é uma droga estimulante, mas que não causa alterações perceptivas, visuais ou motoras, a sua maior dependência é no tocante ao "hábito", sendo que há também a dependência física cujos sintomas podem durar de 2 a 4 dias incluindo irritabilidade, e aparente "nervosismo", suportáveis sem maiores consequências), e uma droga poderosa, mas faço referência à inocência com que pessoas desinformadas, tratam a maconha e o seu uso, fazendo comparações desconexas e irrealistas, sem ao menos conhecer o que é a palavra dependência química, ou mesmo o que é o THC (Princípio ativo da maconha) e a sua ação no SNC (Sistema Nervoso Central, onde ocorrem as sinapses) por exemplo, ou sabem ?
Mas, voltando às notícias atuais sobre drogas, crack etc. Estas falam a respeito de tratamento voluntário, involuntário, "bolsa-crack", programa de governo, clínicas, terapias, vacinas, novas descobertas, etc, tudo, girando em torno de um único objetivo ou assunto: DEPENDÊNCIA QUÍMICA, como recuperar, como tratar.
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Terapia Ocupacional - O residente participa do cultivo do próprio alimento |
Em um destes temas, e dentro dele, encontram-se diversos questionamentos, de muitos especialistas até, sobre a eficácia, de uma Comunidade Terapêutica, por exemplo. Infelizmente, muitas instituições, não são sérias, e são aquilo que exatamente aparece nas notícias: "Fontes de dinheiro", "Depósitos de gente", etc. Também existem clínicas assim, hospitais, etc. Em todas as áreas, existem "maçãs podres".
Vamos lá. A dependência química, não é apenas uma doença física, ou seja, não é como por exemplo, um braço quebrado, ou uma infecção do apêndice. É uma doença, física e psíquica, basicamente, ou seja, afeta estas duas áreas, cada droga de maneira diferente, mas afeta. Diretamente, ou conjuntamente, podemos também declarar, que é uma doença comportamental (ligado ao lado psíquico, alterando ou reforçando comportamentos sociais deturpados ou desviados) agindo como um alterador e criador também de novos "comportamentos sociais", estes, muitas vezes compulsivos.
E podemos afirmar, com plena convicção que, é uma doença espiritual. Espiritual em que sentido ? Não há plena recuperação, sem uma profunda mudança espiritual e emocional, ou seja, em minha própria alma, no meu interior, subjugando dentro de mim mesmo o egocentrismo de toda uma vida, pois todo dependente químico, em determinado ponto colocará a droga de sua preferência, como o centro de sua vida, e com maior importância do que qualquer outra coisa na face da terra, inclusive o próprio dependente. O lado espiritual da doença, traduz-se pela ausência de Deus, e pelo egocentrismo. Alguém pode recuperar-se com a ausência da parte espiritual ? Sem dúvida, já vi casos, mas com certeza, as chances de voltar ao uso são 100 vezes maiores, que o contrário.
Recuperação, em resumo, é uma mudança completa, no modo de vida do indivíduo, ou em todas as áreas identificadas como necessárias a serem mudadas.
Não é possível, pela minha experiência, tratar o usuário somente com remédios, ou somente com psicoterapia, ou somente o lado espiritual, ou o físico. É um conjunto. Uns necessitarão mais ou menos, de trabalhar cada área, mas para um efetivo sucesso, todas devem ser contempladas. Partindo é claro, do ponto inicial, que é o desejo de parar de usar do dependente. Deste desejo, desta vontade, é que nascerá o sucesso final.
Definição rápida de Comunidade Terapêutica (no que diz respeito ao tratamento para dependência química) - Um lugar livre de drogas, sexo e violência (sexo claro, que temporariamente), onde uma equipe técnica qualificada e multidisciplinar proporcionará um ambiente favorável à recuperação individual, e coletiva, de corpo, mente, e espírito do indivíduo que busca ajuda para o seu problema com drogas, através da psicoterapia, farmacoterapia, reeducação alimentar e pessoal, aprendizado de técnicas subjetivas e objetivas com o intuito de o manterem longe de locais e situações que possam proporcionar riscos de recaídas, prática espiritual, prática de princípios humanos básicos, práticas educativas e atividades lúdicas, e que tentarão fazer com que o mesmo encontre o equilíbrio físico, e emocional necessários para uma eficaz reinserção social e familiar.
Um Comunidade Terapêutica séria hoje, dispõe de, de acordo com as características da doença D.Q.:
Física: Assistência médica para desintoxicação, medicação, alimentação adequada, acomodações adequadas (não se traduza em luxo), terapia ocupacional (horta, animais, limpeza e manutenção da CT, etc);
Mental ou Psíquica: Medicação se necessário e pelo período necessário (auxiliares no sono, estabilizadores de humor, etc), psico-terapia, horários e disciplina (reorganização e reeducação pessoal), programa terapêutico (12 passos, identificação de problemas e soluções, aprendizado sobre a doença e comportamentos inerentes, cuidados e prevenção à recaída), ajuda mútua inter-grupo;
Comportamental: 12 Passos (Mudança, novos hábitos, novos lugares, novas pessoas), reeducação e disciplina pela prática de horários rígidos, cuidados com a higiene pessoal (que inclui cuidados com seu próprio vestuário -lavação e organização deste), mudanças no vocabulário, leitura, divisão de tarefas, responsabilidades, etc;
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Equilíbrio |
Espiritual: Prática de espiritualidade. Aqui, esta palavra não se traduz em religiosidade, trata-se da prática diária, de orações que necessariamente não necessitam ser desta ou daquela religião, mas sim, orações simples, feitas em conjunto, por períodos curtos mas diários, leitura de textos bíblicos, e ensaios de louvores. Exemplo: Em geral, existem nas CT's, dois momentos diários de espiritualidade, 1 pela manhã antes ou depois do café, e outro pela noite, antes ou depois da janta. Estes momentos, em sua maioria, tem a duração de meia hora, e em CT's sérias, não levam nenhuma espácie de "Placa Religiosa", ou seja, não são direcionados pra esta ou aquela religião, como disse, espiritualidade, é muito diferente de religiosidade. Ou seja, a tentativa de um reencontro do indivíduo não só com Deus, mas com ele mesmo, "para onde vai", "o que quer", "o que deseja e sente", "seu lugar no mundo". Praticas de espiritualidade, auxiliam também no retorno o reavivamento da empatia pelo próximo.Definição de Espiritualidade:
A espiritualidade é uma dimensão da pessoa humana que traduz, segundo diversas religiões e confissões religiosas, o modo de viver característico de um crente que busca alcançar a plenitude da sua relação com o transcendental. Cada uma das referidas religiões comporta uma dimensão específica a esta descrição geral, mas, em todos os casos, se pode dizer que a espiritualidade "traduz uma dimensão do homem, enquanto é visto como ser naturalmente religioso, que constitui, de modo temático ou implícito, a sua mais profunda essência e aspiração".
Estes pontos, são essenciais, e trabalham em conjunto, onde a Equipe Técnica que trabalha em prol ou dentro de uma CT, busca equilibrar da melhor forma possível todos eles, uns necessitam mais disto, outros daquilo, é o tratamento individualizado.
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Comunidade Terapêutica
Formas de Tratamento e Recuperação
Fazem parte em geral do corpo técnico de uma CT, os seguintes membros ou funções, presentes diariamente (Plantão), ou de forma semanal:
De forma direta:
- Psicólogo;
- Assistente Social;
- Terapeuta;
- Coordenadores e Monitores (Plantão dentro da CT, ou seja, estão 24 Horas do dia);
Ainda indiretamente (não necessariamente efetivos):
- Médico Clínico Geral;
- Médico - Psiquiatra;
- Orientadores Religiosos (Pastor, Padre);
- Voluntários em atividades diversas;
- Estagiários de Cursos Superiores (em geral Psicologia);
- Palestrantes.
- Grupos de apoio AA/NA (Através de serviço específico destes chamado de H.I., ou, serviço de informação junto de hospitais e instituições.
O tempo de tratamento pode variar em Comunidades Terapêuticas, mais comum são os períodos de 6, e de 9 meses. Pontos importantes: Além dos citados acima, a internação sob forma de residência temporária em uma CT, proporciona um afastamento do indivíduo, do meio em que estava, sem acesso temporário a este. O período de internação, se mostra necessário, em virtude da complexidade da doença, ou seja, não é humanamente possível recuperar, ou aplicar um programa terapêutico, sem este período de afastamento, que dependendo da substância e do tempo de uso, pode variar, mas é necessário.
Existem programas terapêuticos que podem ser aplicados em três meses, para usuários com grau de dependência inicial, mais especificamente na maconha, ou quando muito cocaína, a avaliação deve ser feita por profissional adequado, porém, estes é de se ressaltar, que seriam usuários com um ano no máximo de uso crônico (de 2 a 3 vezes por semana) de maconha, ou que tenham feito uso por alguns meses da cocaína, em resumo, iniciantes nestas drogas. É possível que um tratamento neste espaço de tempo (3 meses) de resultado, conforme, avaliação prévia, claro. Não perdendo de vista aqui, que quando se fala de uso crônico desta ou daquela droga, não significa que exista um "uso seguro", muito pelo contrário, não há uso seguro, nem redução de danos para qualquer tipo de droga, inclusive o álcool, pois mesmo este e ainda que se trate de pessoas que não possuem dependência, especificar um uso determinado é tolice sob ponto de vista terapêutico.
Quando muito, (e uso de bom senso aqui porque não sou obtuso, reacionário, ou fanático) só conheço um tipo de uso saudável (para aqueles que podem e querem) para o álcool, uma taça de vinho, por exemplo, em um jantar especial (2, 3 vezes em 1 ano), onde esta taça é parte integrante do jantar, sob o aspecto culinário, não um mero acompanhamento alcoólico. Mas é claro que isto é uma ilusão, em se tratando da cultura da bebida alcoólica no Brasil e no mundo, talvez 1 em cada 1.000.000 façam uso desta maneira. (A presença do álcool e outras substâncias na cultura brasileira)
Mas, em se falando de períodos de uso maior, de qualquer droga, principalmente do álcool, cocaína, e crack, é sem dúvida alguma que programa terapêuticos de 6 meses no mínimo, terão maior eficácia (nenhum resultado é garantido).
Não é em 30 dias, ou 60, que se fará algo concreto pelo indivíduo, senão apenas a desintoxicação física.
A Comunidade Terapêutica é um meio de tratamento eficaz e comprovadamente traz resultados, levando-se em consideração é claro que, infelizmente, as estatísticas globais (todos os métodos de tratamento) não passam de 15 a 20 % de recuperação até 1 ano após, e descem para 10% de 1 ano a 3 anos. Sendo que estão em uma faixa de 3 a 5% quando chegam a um período de 5 anos. Ou seja, de 30 indivíduos que iniciam um tratamento juntos, daqui a 5 anos, em média, 1 ou 2 estarão "limpos", sem terem sofrido nenhuma recaída no período. Não significa que, todos estarão de volta ao uso crônico, alguns, podem sofrer as chamadas recaídas, e reiniciarem o processo novamente, até mesmo sem a necessidade de nova internação, falo aqui de períodos ininterruptos. (Dados colhidos ao longo do tempo por experiência, em CT's, e com profissionais ligados a área).
Importante é, manter a fé. O problema "drogas" existe, questão de saúde pública, e está à nossa volta, na esquina, nas ruas, fechar os olhos e cruzar os braços, sem ao menos discutir ou opinar buscando soluções, é entregar o futuro a própria sorte. No mínimo, fiscalizar o estado (os eleitos), no cumprimento de sua obrigação para prover educação, infraestrutura, segurança, saúde, e combate efetivo a questão, não só nas consequências (é o mais imediato), mas também nas causas.
Mais 24 Hrs de Paz e Serenidade