Folha de São Paulo - Tendências e Debates
O debate sobre o consumo de cocaína no Brasil pode e deve ser uma
pauta em 2014. O que se deve rejeitar é a inércia e a multiplicação da
pirotecnia na área. O que tem de ser feito não é mistério: combater o
tráfico, promover campanhas educacionais e tratar os dependentes
químicos. Nada disso vem sendo executado a contento.
Para os céticos sobre a gravidade do problema, conviria mencionar um
estudo da União Europeia noticiado pela Folha, segundo o qual o Brasil é
considerado hoje o epicentro do narcotráfico mundial.
Passou a ser "um refúgio para chefões do tráfico da América Latina,
ponte principal para distribuição da droga produzida no continente para a
Europa, provedor de produtos químicos para a produção de algumas delas e
também agora um importante mercado consumidor. O país virou a base das
novas rotas do tráfico mundial, que passa pela África para seguir à
Europa e à Ásia".
Estima-se que 2,5 milhões consomem a droga --o segundo mercado do
mundo. Essas são as vítimas diretas. As indiretas são 7,5 milhões,
incluindo familiares. Mencione-se a população, que paga o preço da
violência urbana no cotidiano.
O crack, derivado da cocaína, ampliou a difusão da droga no mundo.
Mas há uma particularidade no caso brasileiro: uma pedra de crack custa
uma pechincha: R$ 2. Dezenas de vezes menos do que nos Estados Unidos ou
na Inglaterra. Isso porque desenvolveu-se no Brasil nos últimos 12 anos
uma eficiente rede de pequenos traficantes.
Além do mais, somos vizinhos de três grandes produtores da
matéria-prima: Colômbia, Peru e Bolívia. São 8.000 quilômetros de
fronteiras, as mais escancaradas do mundo. Mas a Polícia Federal não tem
efetivo nem equipamentos para fazer seu trabalho. Nem o governo dá
prioridade ao assunto. A Bolívia é de longe o principal fornecedor. Por
que não usar a ajuda econômica que o Brasil dá a esse país para
induzi-lo a encolher a produção e o contrabando? Sobra propaganda, como a
do avião-morcego sem tripulantes, que sumiu sem ter aparecido, para
filmar o tráfico nas fronteiras...
Em parte, a inépcia explica a inação. Mas a falta de vontade tem um
papel relevante. Basta lembrar que a Secretaria Nacional Antidrogas nega
que haja uma epidemia de crack no Brasil e que o PT resiste à
internação de dependentes químicos para desintoxicação, recusando
dinheiro do SUS para essa atividade. Além disso, a política externa é
leniente com os aliados do governo boliviano e das Farc colombianas,
hoje grandes agentes do narcotráfico.
A luta contra a droga exige, além da assistência às vítimas, cortar a
oferta e a demanda. A omissão nesse último caso tem sido surpreendente.
Faltam campanhas educacionais intensas e abrangentes, a exemplo do que
foi feito com o cigarro, que, diga-se, é menos letal.
A experiência das medidas e campanhas antitabagistas no Brasil,
iniciadas no governo FHC e consagradas internacionalmente, derrubaram à
metade a proporção de fumantes do país, mas não serviu de inspiração aos
governos petistas.
É preciso evidenciar, especialmente aos jovens e suas famílias, a
natureza terrível da dependência química. Mais claramente: é preciso
estigmatizar não o consumidor, mas o consumo do crack. De forma
inteligente, intensa, prolongada, convicta e não envergonhada.
JOSÉ SERRA, 71, doutor em economia, foi ministro do Planejamento e da
Saúde (governo FHC), prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de
São Paulo (2007-2010)
| Voce tem sugestões, ou críticas ? Colabore com este blog clicando aqui...Envie sua mensagem, ou sugestão de assunto. Será um prazer lhe responder. Obrigado, Mais 24 Hrs. |