As mães do crack | 
      
DE SÃO PAULO
Difícil avistar um grupo de usuários de crack em que não haja uma 
menina grávida. Desviamos o olhar para não correr o risco de encontrar o
 delas, embaçado pela escravidão da dependência.
As razões que as levam a conceber um filho na miséria em que se 
encontram são óbvias: crack é droga psicoativa de uso compulsivo que 
destrói o caráter e subjuga o arbítrio. É um experimento macabro da 
natureza que reduz seres humanos à situação de animais de laboratório, 
condicionados a buscar a qualquer preço a recompensa que a cocaína lhes 
traz.
Quando o adolescente rouba a aliança de casamento da mãe viúva que 
pega três conduções para chegar ao trabalho, não é por falta de amor, 
mas pela necessidade. É a premência incoercível para sentir o baque da 
cocaína no cérebro, prazer intenso e fugaz como o orgasmo, que o leva a 
arruinar o futuro pessoal e a infernizar a vida dos familiares.
Como bem caracterizou um usuário: - Doutor, pense no desespero de 
correr para o banheiro no pior desarranjo intestinal. A compulsão do 
crack é cem vezes pior.
No caso das meninas dependentes, contingente que aumenta de forma 
assustadora, as consequências são mais trágicas. Muitas vezes iniciadas 
antes de chegar à adolescência, são elas as principais vítimas da 
crueldade das ruas para as quais foram arrastadas.
Às desprovidas de talento e coragem para furtar, assaltar ou pedir 
esmola, sobra o recurso derradeiro: vender o corpo. A preço vil, porque 
transitam num ambiente social formado por uma legião de desvalidos que 
perambula pelas cracolândias sem destino nem banho, para quem sexo não é
 prazer que chegue aos pés do crack.
No meio desse refugo social, quando conseguem 20 reais por um 
programa é motivo de festa; caso contrário, aceitam dez, o bastante para
 uma pedra. Em dias de menos sorte cobram cinco por uma sessão de sexo 
oral, provação especialmente dolorosa quando os lábios estão queimados 
pelo cachimbo incandescente. Esse é o cenário de horror em que 
engravidam.
Sem que tenham consciência de seu estado, as primeiras semanas do 
desenvolvimento embrionário acontecem sob o impacto da cocaína. Quando 
descobrem a gravidez, a realidade dificilmente se altera.
Na penitenciária feminina, atendi uma moça, que aos 13 anos deu à luz
 numa calçada da rua Dino Bueno, anestesiada pela droga, sem entender 
que aquelas cólicas eram dores de parto.
Em São Paulo, a maioria das parturientes do crack são encaminhadas 
para o Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, na zona leste, que 
procurou se adaptar para atender esse contingente que cresce a cada ano.
 Dez anos atrás, havia um ou dois partos de usuárias por ano, agora há 
pelo menos um por semana.
Como tratar dos bebês quando entram em crise de abstinência? Que destino dar a eles quando a mãe mora numa cracolândia?
Por lei, a maternidade é obrigada a entrar em contato com o Conselho 
Tutelar, que pode retirar o poder familiar da mãe, caso a considere 
incapaz de cuidar do filho. O recém-nascido vai para uma creche, 
enquanto a Justiça procura localizar alguém da família que se interesse 
em recebê-lo. Quando a tentativa falha, a criança é enviada para adoção.
Separar a mãe do filho é experiência traumática que costuma 
devolvê-la mais depressa para as ruas. Até a gravidez seguinte, durante a
 qual continuará a usar a droga. Elas assim o fazem não porque sejam 
mães desnaturadas, mas porque o crack é mais poderoso do que todas as 
vontades, mais forte até do que o instinto materno.
Exigir que sob o domínio do crack lhes sobre discernimento para a 
disciplina dos métodos contraceptivos, é arrogância dos ignorantes que 
desconhecem a ação farmacológica da cocaína; é tripudiar sobre a 
desgraça alheia.
Existem anticoncepcionais injetáveis administrados a cada três meses,
 ideais para esse tipo de situação. Como é insensato esperar que a 
usuária procure os serviços de saúde, não seria muito mais lógico 
levá-los até ela?
Antes que os defensores de ideologias medievais rotulem como eugênica
 essa solução, vamos deixar claro que não haveria necessidade de 
qualquer constrangimento, as dependentes aceitariam de bom grado a 
oferta do anticoncepcional.
Elas não concebem filhos com o intuito de viver os mistérios da maternidade.

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