Efeitos do cigarro são mais pronunciados na mulher e largar o vício também é mais difícil para elas

Ângela estava perdendo a voz por causa do fumo. Tomou a decisão de parar e comemora as duas semanas sem dar uma tragada. 


Não tocou nem sequer em mais uma unidade das duas dezenas que fumava diariamente. Fica feliz ao contar que recusou a oferta de uma amiga que lhe ofereceu um cigarro sem saber de sua nova meta. Agora, Ângela quer recuperar a saúde, a voz, e sonha em fazer parte do coral da igreja.

 
Efeitos do cigarro são mais pronunciados na mulher e largar o vício também é mais difícil para elas
Teresa ouve a história. Começa a contar a sua. Estava sentindo falta de ar e temeu pela própria vida. Decidiu parar. Os olhos enchem de água ao dizer que fumou um cigarro no período em que começou a deixar de lado o vício. Foi consolada pela filha, que dia desses dormiu feliz na cama da mãe, que deixou de levar na pele e nos cabelos o cheiro incômodo da fumaça. Júlia fumou muito mais que um. Cedeu aos encantos de uns oito durante o processo de largar o tabaco. Justifica o estresse em casa, o peso de cuidar da mãe e da família sozinha. O cigarro é a âncora que a acompanha há anos e, agora, acha difícil deixar totalmente de lado essa má companhia que a acalma.

Outras que buscam o mesmo objetivo já veem o benefício de não fumar na pele e no cabelo. Estão se sentindo mais bonitas e há quem deseje inclusive cuidar dos dentes maltratados por tantos anos em contato com a química amarelada. O que muitas não sabem é que a distância do cigarro pode poupá-las de doenças mais graves, como o câncer e a DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), que tira, literalmente, o ar de quem, por anos, respirou fumaça.

Os depoimentos de Ângela, Teresa, Júlia revelam certas especificidades do uso de tabaco pelas mulheres. As motivações para começar não são as mesmas dos homens, assim como a dificuldade enfrentada na hora de parar. Em alguns aspectos, elas estão mais vulneráveis e podem ter a saúde mais seriamente comprometida. As três fazem parte do Programa de Controle do Câncer e Tabagismo da Secretaria de Saúde do DF, que ajuda todos aqueles que querem deixar o vício. O grupo feminino corresponde a cerca de 80% dos frequentadores. “As mulheres são mais presentes, cuidam-se mais que os homens. Além disso, pelo instinto protetor, os filhos e os netos são motivações que as levam a parar de fumar”, afirma a assistente social do programa, Lucivane Nishimura.

Segundo o médico pneumologista e coordenador do programa, Celso Antônio Rodrigues da Silva, as mulheres estão adquirindo o hábito de fumar muito cedo, por volta de 14 anos. A pouca idade para começar é inversamente proporcional à dificuldade de parar. Essa jovem que acredita que as tragadas são sinônimo de ousadia, modernidade e até uma forma de espantar a solidão vai sofrer mais quando quiser abandonar o vício. “A mulher que começa a fumar na adolescência tem mais chance de ter câncer de pulmão e de mama do que aquela que começou a fumar depois dos 20”, alerta o médico. Entre o primeiro grupo, a possibilidade de desenvolver um tumor mamário aumenta de15% a 40%.

A relação entre o uso do cigarro ao longo da vida e a incidência de tumores na mama são cada vez mais evidentes. O oncologista Alessando Leal, médico do hospital Sírio Libanês de Brasília, explica que pacientes fumantes enfrentam diagnósticos de câncer de mama mais agressivos do que aquelas que não fumam. “Uma explicação provável é que haja substâncias carcinogênicas no cigarro que agem no epitélio da glândula mamária, o que geraria maior número de mutações e, consequentemente, um tumor mais agressivo”, explica o médico. Se o cigarro não causa a doença, no mínimo, dificulta tratá-la. Sabe-se, por exemplo, que o tratamento do câncer de colo de útero é menos eficaz entre as fumantes.

Companhia perigosa

O estudo Impacto do tabagismo na saúde feminina — divulgado em 2013 pela Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) — traz uma compilação de dados do mundo inteiro sobre os prejuízos provocados nas mulheres por causa do hábito de fumar. Entre as constatações, está a de que, na Europa, os casos de câncer de pulmão vão ultrapassar os de câncer de mama até 2015. Uma estimativa que reflete o aumento do número de fumantes do sexo feminino nos anos 1960 e 1970 — uma geração que, só agora, sente as consequências.

Descobriu-se nos últimos três anos que as mulheres são mais sensíveis aos efeitos do tabaco. Na prática, elas metabolizam as substâncias psicoativas do cigarro mais rapidamente. Assim, para sentir os efeitos dessas toxinas, elas precisam fumar quantidades maiores. “Há uma suspeita de que o estrogênio estaria relacionado a essa diferença de resposta metabólica. Estudos que comparam as mulheres que fazem reposição desse hormônio na menopausa mostram que elas fumam mais para ter as mesmas sensações”, explica a ginecologista Edina de Araújo, especialista em promoção da saúde pelo Hospital das Clínicas e consultora da ACT.

Edina afirma que os casos de mulheres que morrem em consequência da DPOC triplicou nas últimas duas décadas, enquanto, entre os homens, a mortalidade aumentou 60% no mesmo período. O pulmão feminino também é menor e, por isso, os sintomas respiratórios são mais agudos. Para as que sonham em ser mãe, não há maior vilão. “Fumar aumenta as chances de abortar, de ter o bebê prematuro ou abaixo do peso. Além disso, a fumante tem mais dificuldade de engravidar e seu filho está mais sujeito à morte súbita”, acrescenta a médica.

Não foi a preocupação com a saúde que fez a professora Mohara Melo, 35 anos, parar de fumar. Ela decidiu abandonar o hábito porque era o maior prazer do qual poderia abrir mão quando pensou em fazer uma promessa para recuperar o carro roubado da irmã, que estava sob os cuidados dela. O veículo foi encontrado e o acordo, cumprido. A bela moça, que começou a fumar aos 17 anos, abandonou de vez o péssimo hábito há cinco anos. “Troquei toda a carga emocional que depositava no cigarro pela natação”, comenta. Virou atleta, nada 10km em águas abertas e coleciona troféus. “Descobri uma outra vida. Meu corpo mudou, economizei dinheiro, fui viajar. Ganhei mais saúde. Foi a melhor escolha que fiz”, diz.

Mohara admite que não foi nada fácil, porém. Tinha medo de engordar e, até três anos depois, sentia vontade de dar uma tragada. Hormônios, tensão pré-menstrual, obrigações familiares e profissionais dificultam essa separação da química tão poderosa. “As mulheres apresentam uma possibilidade maior para quadros de depressão e ansiedade, o que dificulta parar de fumar. Também não se deve dissociar a abordagem do tabagismo feminino da compreensão dos contexto de vida delas, geralmente acumulando funções”, avalia a pesquisadora Márcia Trotta, que em 2008 conduziu um estudo de gênero que investigava o tabagismo entre as mulheres da Maré, do Rio de Janeiro. “Elas representam o cigarro, subjetiva e simbolicamente, como um ‘companheiro’, que as ajuda a suportarem seus difíceis e sobrecarregados cotidianos de vida”, acrescenta. Na verdade, um grande inimigo.

Fonte - Portal UAI

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