"Maior problema das drogas são as doenças que causam" |
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Lei de drogas - Por Jomar Martins
Lei de drogas - Por Jomar Martins
Aumento da pena para o tráfico de drogas e diminuição das atenuantes,
para que o traficante fique fora de circulação mais tempo e não
funcione como veiculador do ‘‘vírus da epidemia da droga’’. Este é o tom
do Projeto de Lei 7.663/2010, que altera a legislação do Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sinad), prevista na Lei
11.343/2006. De autoria do deputado, médico e ex-secretário da Saúde do
Rio Grande do Sul, Osmar Terra (PMDB-RS), o novo texto deve ser colocado
na pauta de discussões da Câmara dos Deputados, nos próximos dias.
Hoje, a Lei Antidrogas prevê reclusão de cinco a 15 anos para o
tráfico. O texto que será votado na Câmara, da relatoria do deputado
Givaldo Carimbão (PSB-AL), estabelece aumento de pena de 1/6 a 2/3 para o
tráfico de maior potencial ofensivo, como o crack.
O texto cria a figura da internação involuntária, uma novidade no
país. ‘‘É a baixa contra a vontade daquela pessoa que dorme na rua,
vendeu tudo que tinha em casa, não consegue mais trabalhar, estudar e
come resto de lixo. Ela não pode ser internada, pela lei atual, porque
não quer ser tratada. Com a baixa involuntária, a família, que sofre
tanto quanto ele, pede a internação, e o médico determina. Não precisa
do juiz’’, esclareceu. O Brasil já contabiliza 1% da população
dependente só de crack. Isso representa quase dois milhões de pessoas –
uma quarta parte deste contingente irá morrer até o quinto ano de
consumo.
As novidades não param por aqui. Há ainda incentivos para as empresas
disponibilizarem vagas aos dependentes em recuperação e o financiamento
público das comunidades terapêuticas, desde que sigam critérios
técnicos adequados prescritos pelo Ministério da Saúde. ‘‘Criamos a
responsabilização dos gestores. Ninguém vai poder jogar a
responsabilidade para o outro. Tem que assumir a responsabilidade,
resolver, ajudar nas políticas públicas, na prevenção ao atendimento,
prevenção e repressão. Cada nível de governo vai ter a sua
responsabilidade.’’
Terra disse que propôs esta mudança na atual legislação porque, como
secretário da Saúde (de 2003 a 2005), teve enorme dificuldade legal de
enfrentar a questão. ‘‘Uma das razões é o conteúdo contraditório e
ideologizado da lei existente, que levou a um gigantesco agravamento do
problema de 2006 para cá’’, justificou. No seu entendimento, os
conceitos filosóficos de sociológicos que embasaram a Lei 11.343 levaram
ao aumento da violência e ao desastre das políticas públicas.
Para o parlamentar gaúcho, é muito mais desumano ver este contingente
de doentes aumentar do que enfrentar o tráfico. ‘‘Se pesarmos bem as
coisas, veremos que vale mais a pena criar sistemas eficientes de
enfrentamento ao tráfico e manter diminuído o número de usuários do que o
contrário.’’
Leia a entrevista:
ConJur – Quais são os principais pontos do Projeto de Lei 7.663/10,
de sua autoria, que irá balizar a nova lei de drogas que será votada na
Câmara dos deputados neste mês, em substituição à Lei 11.3453/2006?
Osmar
Terra – São mais de 30 pontos que sofreram alterações. Destaco alguns
que considero vitais. O envolvimento com drogas que causam dano mais
rápido e mais mortes terá previsão de pena maior em até dois terços –
como é o caso do crack. Outra mudança é a questão da baixa involuntária.
Hoje, a lei diz que o usuário tem direito de decidir se quer a
internação – mesmo que viva transtornado mentalmente e que tenha vendido
tudo a sua volta para comprar crack. Ora, esta pessoa não está em
condições de decidir nada, pois perdeu completamente o discernimento das
coisas. Ela precisa de ajuda urgente. Por isso, a nova lei prevê que,
se a família pedir e o médico determinar, o usuário será internado.
Outro ponto importante é que passaremos a colocar na rede de atendimento
uma série de entidades que hoje não são reconhecidas, como as
comunidades terapêuticas. Se seguirem critérios técnicos e científicos
adequados, elas serão financiadas com recursos públicos. Outro ponto é
conceder isenção fiscal às empresas que se propõem a oferecer emprego
aos dependentes em recuperação. Isto é importantíssimo para a
recuperação do usuário. Finalmente, a lei cria um sistema de
monitoramento, a fim de comprovar os resultados de tratamentos que são
levados a cabo. E isso inclui estabelecer um protocolo científico que
avalie adequadamente um centro de atendimento do usuário no Rio grande
do Sul e outro no Nordeste, por exemplo. Ou seja, uniformizar alguns
critérios. Assim, os gestores têm de seguir uma determinada regra,
podendo ser responsabilizados em caso de omissão.
ConJur – E há ânimo, na Câmara dos Deputados e na sociedade, para mudar a atual legislação sobre drogas?
Deputado
Osmar Terra – Há, sim. Tanto que a Comissão Especial do Sistema
Nacional Políticas sobre Drogas aprovou por unanimidade, no dia 11 de
dezembro, o relatório do PL 7663/10, cuja relatoria pertence ao deputado
Givaldo Carimbão (PSB-AL). O texto do PL, de minha autoria, prevê
aumento de penas para traficantes e foi preservado na essência. A
mudança do marco legal reflete um anseio da sociedade.
ConJur – O Senado também discute a reforma do Código Penal, proposta
por um grupo de juristas que quer descriminalizar totalmente o usuário. O
senhor acha que vinga?
Deputado Osmar Terra – Eu acho que esse grupo
de juristas não representa a sociedade, mas uma linha de pensamento.
Não representa a opinião do Parlamento. Na medida em que este tema for
para a discussão, nós vamos poder nos posicionar melhor.
ConJur – A descriminalização poderia abrir a ‘‘porteira’’ para a legalização das drogas?
Deputado
Osmar Terra – Lógico que abre caminho. Não há como descriminalizar o
usuário sem levar em conta a descriminalização do tráfico. Porque, se
nós descriminalizarmos o usuário, haverá um aumento – experiência dos
países que tentaram fazer isso – substancial do consumo. Ora, havendo
aumento substancial do consumo e o tráfico continuando a ser ilegal,
haverá um aumento do lucro da atividade do tráfico. Quem vai fornecer a
droga para esse consumo aumentar? É o tráfico. E o tráfico não está
legalizado. Então, vai haver aumento substancial da criminalidade, de
tudo que o tráfico traz com ele. Embora eu entenda que a violência não é
só oriunda do tráfico. Tem a ver com a ação específica da droga, com a
compulsão que ela causa, com o desespero para adquiri-la, que é uma
outra questão que temos que analisar também quando se discute o problema
das drogas. Assim, eu acho que descriminalizar totalmente o usuário, em
primeiro lugar, vai aumentar o consumo exponencialmente. Em segundo
lugar, vai aumentar a estrutura do tráfico.
ConJur – O que fazer, então...
Deputado Osmar Terra – Olha, eu
acho que nós devemos deixar de lado este grupo de juristas. Se eles
pensam que isso é uma solução, não é. Se eles querem dar o primeiro
passo para a legalização das drogas, então que digam abertamente isso:
que querem legalizar as drogas, que querem só regulamentar o uso.
ConJur – Se legalizado, o tráfico poderia ser comandado por grandes indústrias, como se especula?
Deputado
Osmar Terra – De fato, o risco é real. Esta história de achar que todo
mundo que quer fumar vai plantar maconha no quintal de casa é bobagem.
Na verdade, vai haver produção em grande escala, uma industrialização.
As próprias indústrias que vivem do vício hoje, da dependência química
do cigarro, da bebida, vão entrar nesse mercado – e em escala
gigantesca. Isso fará com que um número muito maior de pessoas passe a
utilizar drogas, tornando-se dependentes. Hoje, 1% da população
brasileira usa crack. Se liberarmos seu comércio, iremos para um patamar
de 18% de usuários – no mínimo, igual ao de fumantes.
ConJur – Isso causaria uma explosão de doenças?
Deputado Osmar Terra – Oportuna esta questão, porque me permite esclarecer que, em minha opinião, o maior problema das drogas não é o tráfico, e sim a doença que ela causa. As pessoas ficam doentes para sempre.
Deputado Osmar Terra – Oportuna esta questão, porque me permite esclarecer que, em minha opinião, o maior problema das drogas não é o tráfico, e sim a doença que ela causa. As pessoas ficam doentes para sempre.
ConJur – Explique melhor como o usuário é levado à doença crônica.
Deputado
Osmar Terra – Veja, há uma mudança numa estrutura chamada centro de
recompensa cerebral, dentro de um sistema do cérebro, chamado sistema
límbico. Ali, está localizado o sistema que controla a motivação, os
desejos, o prazer. É uma região crítica do cérebro, importante para o
ser humano ao longo dos últimos 200 mil anos. É uma parte que orientou a
nossa sobrevivência. Tudo o que dava prazer ajudava na sobrevivência.
Bem, a droga, e especialmente o crack, cria uma nova rede neuronal no
centro de recompensa do cérebro. Temos de considerar, também, que a
maconha que se consome hoje tem 20 vezes mais THC (tetraidrocanabiol,
composto químico com propriedades psicoativa que destrói neurônios em
desenvolvimento) do que no tempos hippies – décadas de 60 e 70 do século
passado. Isso explica por que o usuário, quando se trata, está sujeito a
recaídas. O componente forma uma nova memória, de longo prazo. O
usuário carrega este peso para a vida toda. Imagine um exército de
milhões nesta condição?
ConJur – Mas há esperança para quem é dependente de crack ou outra droga?
Deputado
Osmar Terra – Sempre há esperança para quem busca ajuda médica, mas é
preciso correr contra o tempo. Estudos mostram que uma quarta parte dos
usuários de crack morre antes do quinto ano de consumo. Depois, há uma
certa adaptação durante a vida da pessoa, há uma diminuição da
mortalidade. Mas também existe um número muito grande de pessoas em
tratamento permanente. Então é um problema gravíssimo de segurança e de
saúde pública, porque a droga está na esteira de muitos atos violentos.
ConJur – O senhor sustenta que o problema da droga já virou uma
calamidade no país, além de contribuir expressivamente com o aumento da
violência e gerar insegurança pública?
Deputado Osmar Terra – Nós
estamos falando do Brasil, que é o país com o maior número de homicídios
do mundo, em termos absolutos. Vamos pegar a China, com seus 1,3 bilhão
de habitantes. Aquele enorme país registra 13 mil homicídios por ano.
No Brasil, nós temos 50 mil, com sete vezes menos população que a China.
Então, nós estamos vivendo uma realidade bem diferente, um agravamento
do problema de violência. E eu atribuo a violência no trânsito também a
drogas ilegais, que não são detectadas por bafômetro. Aliás, ele só
detecta a ingestão do álcool. Se fossem detectadas, aconteceria o que
estamos vendo nos EUA, na Suécia, que já registraram percentual muito
elevado de acidente de trânsito vinculado a drogas ilegais. Então, se
formos detectar um aumento no número de acidentes de trânsito, de
homicídios, de suicídios, principalmente entre os jovens, veremos que
tem a ver já com o consumo aumentado de drogas, particularmente do
crack, que causa dependência muito rápida, que causa essa memória de
longo prazo. Enfim, é um flagelo.
ConJur – A liberação do consumo de drogas seria muito mais desumana e onerosa para o país do que o enfrentamento ao tráfico...
Deputado
Osmar Terra – Sem dúvidas. Aliás, pesquisa da Universidade Federal de
São Paulo mostra que metade dos usuários de crack que morre nos primeiro
cinco anos de vício tem como causa disparo de arma de fogo; e metade
por doença. Há muito mais problemas de tumor de pulmão, de câncer,
vinculados ao uso de maconha do que ao uso do cigarro,
proporcionalmente. Haveria uma mortalidade muito maior da população
também. É muito mais desumano ver este contingente de doentes aumentar
do que enfrentar o tráfico. Se pesarmos bem as coisas, veremos que vale
mais a pena criar sistemas eficientes de enfrentamento ao tráfico e
manter diminuído o número de usuários do que o contrário.
ConJur -- Que país liberou geral? Com que consequências?
Deputado
Osmar Terra – É importante esclarecer que, no início do século XX, a
questão das drogas era muito confusa, pois seus efeitos não eram
totalmente conhecidos. Freud (Sigmund Freud, criador da Psicanálise) era
usuário de cocaína. Com o aumento do número de doentes crônicos, do
absenteísmo ao trabalho, da mortalidade, é que se começou a ver o dano
que essas drogas causavam a longo prazo. Começou a se entender melhor o
que é dependência química. E, aí, nasceram as primeiras medidas
restritivas de consumo. E todos os países do mundo foram nessa direção,
de impor cada vez mais restrições ao uso de drogas, por uma necessidade
de saúde pública. Nós tivemos um exemplo marcante nessa área, que mostra
o dano que a droga causa e por que todos os países do mundo reprimem o
tráfico, têm legislação restritiva às drogas, embora pontualmente um ou
outro tente descriminalizar aqui e ali o seu uso. Mas a verdade é que
todos prendem traficantes, todos têm legislação dura sobre tráfico. Por
que isso? A Suécia, até 1969, era um país que permitia praticamente
total liberdade às drogas. A lei partia do princípio que é um direito de
cada um se drogar ou não. Era questão da liberdade individual. E a
Suécia teve tanto problema de saúde pública, absenteísmo, violência,
grande descontrole social que o Parlamento foi obrigado a restringir o
uso de drogas. Hoje, a Suécia é o país que mais reprime drogas na
Europa, com legislação mais restritiva. Inclusive, prevê pena de prisão
por três anos para usuário, coisa que nós não temos na nossa legislação.
Na Suécia, a venda de álcool é uma concessão pública, é controlada. Se a
pessoa começa a comprar muito seguidamente álcool, ela é cadastrada,
sendo recomendada para tratamento de dependência química. Resultado
disso é que a Suécia é o país que tem menos dependentes químicos em
tratamento na Europa. É um país que tem 0,9 por 100 mil de taxa de
homicídios. Portanto, num país que tem a população do Rio Grande do Sul,
que é praticamente 10 milhões e pouco de habitantes, ostenta 90
homicídios por ano. No Rio Grande do Sul, há 1.800 homicídios por ano. A
Suécia tem, e certamente não é tudo pela droga, mas tem a ver com a
droga, hoje a menor taxa de acidentes de automóveis do mundo com vítimas
fatais. Então é um país que tem menos homicídio e diminuiu
dramaticamente o número de suicídios. Os fatos e os dados estão aí, e a
opção de seguir este ou aquele caminho é nossa.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
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