A Igreja Católica nunca correu tantos riscos: esta moça se oferece para fazer a cabeça do papa e torná-lo um militante em favor da descriminação das drogas. Ou ainda: Demorou, mas apareceu a mulher que desbancou Palas Athena. Debesu Dievs!

A Igreja Católica nunca correu tantos riscos: esta moça se oferece para fazer a cabeça do papa e torná-lo um militante em favor da descriminação das drogas. Ou ainda: Demorou, mas apareceu a mulher que desbancou Palas Athena. Debesu Dievs!

A Igreja Católica nunca correu tantos riscos: esta moça se oferece para fazer a cabeça do papa e torná-lo um militante em favor da descriminação das drogas. Ou ainda: Demorou, mas apareceu a mulher que desbancou Palas Athena. Debesu Dievs!

Blog do Reinaldo Azevedo

O papa Francisco esteve no Brasil e perdeu uma grande oportunidade: encontrar-se com Ilona Szabó (foto), a carinha mais bonita da militância em favor da descriminação das drogas. E também a mais despudoradamente arrogante e pretensiosa. Começo a temer pelos pilares que sustentam o Trono de São Pedro. Ilona tem amigos poderosos. Chegar ao Sumo Pontífice não é impossível. No dia em que isso acontecer, ela está convicta, a Santa Madre não será mais a mesma. Mais de dois mil anos de tradição sucumbirão à moça que fala letão. Do que estou a tratar? Vocês entenderão.
Li com atraso, confesso — a coisa havia me escapado —, mas li. Leitores me enviaram o link no mesmo dia. Não dei muita bola porque já conhecia a personagem. Mas a insistência era grande e acabei cedendo. No domingo, o Globo publicou um perfil  da “cientista política” Ilona Szabó. Ilona é aquela moça que, no programa “Roda Viva”, em vez de fazer perguntas a Ronaldo Laranjeira, na entrevista que o psiquiatra concedia, houve por bem desqualificá-lo, apelando a generalidades, grosserias e a uma arrogância de que só a ignorância satisfeita de si é capaz. Por quê? Laranjeira é contra a descriminação das drogas e coordena, em São Paulo, o trabalho de combate ao crack. Ilona, 35 anos, é favorável. Mais do que isso: é uma militante muito bem-sucedida da causa. Além de chefona da Rede Pense Livre, que luta por essa causa (com amplo financiamento), coordena a Comissão Global de Política sobre Drogas e Democracia, o principal lobby pró-descriminação, que tem entre seus membros algumas cabeças coroadas da sociedade brasileira: artistas, empresários, celebridades e, como é notório, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Acho que nunca li um texto como o que o Globo publicou. Há uma diferença entre perfil e panegírico; entre uma abordagem simpática ao perfilado e a mitificação. Que Ilona tenha uma longa vida, mas, a acreditar em O Globo, ela já poderia entrar para a história — ou para o Olimpo.

Distorção logo no primeiro parágrafo

Laranjeira, um pesquisador de reputação internacional, um cientista, é hoje o principal alvo do lobby em favor da descriminação das drogas. E ele já apanha no primeiro parágrafo do texto do Globo, assinado por Fernanda Pontes. Leiam. Volto em seguida.

“A cientista política Ilona Szabó, de 35 anos, e o psiquiatra e especialista em dependência química Ronaldo Laranjeira participavam de um acalorado debate no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, exibido em maio, sobre política de drogas no Brasil. Os dois não se entendiam. Ilona, que é diretora da Rede Pense Livre, cuja principal bandeira é a descriminalização das drogas, aproveitou o intervalo para dizer a Laranjeira que ele estava “mal informado” e usava dados “desatualizados”. O psiquiatra retrucou: “Cresça e apareça, menina. Quem você pensa que é?”.

Voltei

Ditas as coisas assim, fica parecendo que Ilona é só uma moça em busca do bem, e Laranjeira, um grosseirão. O que o texto não informa é que o psiquiatra era O ENTREVISTADO — e Ilona estava lá para fazer perguntas. Em vez disso, ela resolveu desqualificar o convidado. Não estava sozinha nesse esforço. Dos cinco entrevistadores, quatro eram fanáticos defensores da descriminação. É preciso ver aquele espetáculo grotesco para crer. Enquanto ele trabalhava com dados, números, pesquisa científica, seus adversários (é essa a palavra adequada) respondiam com ideologia, achismo, retórica supostamente libertária. Transcrevo, por exemplo, trecho de uma intervenção de Ilona no programa (à época, escrevi dois posts  a respeito), que, no texto do Globo, é retratada como aquela que deixaria Palas Athena, além de Cícero, no chinelo:

ILONA: Aí você me preocupa um pouco porque tem alguns conceitos bem confusos, né? Eu queria oferecer até, eu sou membro da Rede Pense Livre, uma rede que foi criada para aprimorar esse debate, e eu vou fazer, na verdade, um resumo dessa discussão, colocando vários dados que eu acho que são importantes para a discussão, à disposição no nosso blog, então eu acho que, com fontes, explicando, acho que essa conversa não vai dar para aprofundar, mas eu acho que é importante, porque a gente está confundindo muitas coisas aqui. Eu acho que, partindo do ponto de que, hoje, se a gente for encarar a realidade; se, de fato, a gente não quiser tapar o sol com a peneira, as drogas são muito disponíveis para os adolescentes; hoje, eles estão totalmente desprotegidos, compra-se em qualquer lugar, né? Nós não temos uma educação honesta, infelizmente, não temos educação honesta sobre drogas. A gente mente, a gente afasta. O modelo de criminalização não deixa que o usuário procure o sistema de saúde pública, então, se o senhor…

Retomo

Palas Athena talvez se expressasse com menos anacolutos, mas compreendo. Consta que a moça é fluente até em letão — língua que teria aprendido em quatro meses; no quinto, já dava palestras nesse idioma —, e é possível que a sintaxe letã tenha deixado algum resquício em seu discurso. Traduzida a sua fala para a o português, esta senhora quis dizer o seguinte:
a) o entrevistado trabalha com conceitos confusos:
b) se ele quiser aprender mais, basta acessar a página de sua ONG na Internet;
c) quem é contra a descriminação das drogas está tapando o sol com a peneira;
d) quem se opõe a essa tese não está sendo honesto.
Eis Ilona no melhor da sua forma. Afirmar que o usuário não procura tratamento no Brasil porque tem medo, uma vez que as drogas são ilegais, vênia máxima, é de uma desonestidade intelectual espantosa. Por dois motivos principais: a) quando o sistema de saúde está aparelhado para dar atendimento ao viciado, não há qualquer notificação à polícia; b) infelizmente, no mais das vezes, esse sistema não está ainda preparado para receber o viciado. A afirmação de Ilona é simplesmente falsa. Quanto a oferecer a um especialista em dependência química as “verdadeiras informações”, que seriam as colhidas por sua ONG, dizer o quê? Isso é café pequeno perto do que Ilona é capaz.

O papa

Alguns leitores que não leram a reportagem do Globo vão achar que surtei, mas juro que o que vai abaixo está escrito lá, com todas as letras. O panegírico de página inteira publicado pelo jornal termina assim (em vermelho):
Ilona não se deixa abater. É enfática ao dizer que poderia ter convencido até o Papa Francisco, em sua visita ao Rio, a ser favorável à descriminalização das drogas: “Eu tenho certeza de que, se tivesse conversado com o Papa, ele não seria contra. Ele, na verdade, ainda não entendeu o que é a descriminalização das drogas de fato. Disseram a ele que é ‘liberou geral’, mas é mentira. Não defendo nada que vá ferir valores cristãos, muito pelo contrário. Eu luto pela vida.”

Voltei

Viram só? Ilona, com a sua estupefaciente cultura, inclusive a religiosa, acredita que Francisco é um senhor cujas escolhas têm importância apenas na esfera privada. As opiniões expressas pela autoridade máxima da Igreja Católica seriam fruto do preconceito e da desinformação — a mesma acusação que ela fez ao psiquiatra Ronaldo Laranjeira. Encantadora essa moça! Quem pensa direito concorda com ela; se não concorda, então não pensa direito.
Sobre a questão realmente substantiva, que é a militância de Ilona, é o que existe de mais notável no perfil publicado pelo Globo. Creio que uns 90% do texto é dedicado a exaltar as qualidades ímpares da moça — aquelas que deixam Palas Athena, a deusa dos olhos glaucos, morta de inveja. Acompanhem (em vermelho). Os entretítulos são meus.

Ela é muito ocupada e o mundo quer saber o que pensa:

Ali estão inscritos projetos, seminários e palestras de temas variados a serem realizados até 2015 em países da Europa, da África e da América do Sul.

Desde a juventude, era uma moça invulgar:

Estudava no tradicional Colégio Anchieta e na adolescência surpreendeu a todos ao escolher a Letônia, um país pobre da antiga União Soviética, como destino para um intercâmbio de um ano.

Como num filme

A exemplo do médico Nicholas Carrigan, do filme “O Último Rei da Escócia”, ela também pegou o mapa e escolheu um lugar qualquer. Assim nascem os mitos. “Eu já falava inglês e não me interessava ir aos Estados Unidos. Aí peguei o atlas e vi que havia muitos países interessantes do Leste Europeu para conhecer. Minha mãe ainda falou: “Pensa direitinho, lá é muito frio”. Mas fui mesmo assim — diz ela, que é filha de um engenheiro naval e uma jornalista.

Saliente genialidade

Além do frio intenso, Ilona enfrentou um país em transição. Nas ruas, havia dois idiomas: o russo e o letão, que aprendeu em quatro meses. A pedido de sua “mãe” do intercâmbio, dava palestras em letão para estudantes de origem russa, mostrando que era possível aprender o idioma facilmente.

A iluminação

“O pulo do gato”, como a própria define, aconteceu quando leu um artigo do antropólogo inglês Luke Dowdney, fundador da ONG Luta Pela Paz, em que comparava crianças soldados a crianças do tráfico: “Aquele artigo me tocou profundamente. Estava decidida: ia encontrar aquele homem de qualquer jeito.”

A determinação

Após a conclusão do mestrado [na Suécia] e de um curso de pós-graduação que resolveu emendar na Noruega, os dois foram finalmente trabalhar juntos no Viva Rio, que, na época, iniciava uma campanha nacional de desarmamento. “Ela era muito interessada e comprometida com o tema, mostrou isso desde o início e, em duas semanas, o Rubem César Fernandes (presidente do Viva Rio) puxou a Ilona para o grupo dele”, brinca Luke.

O que pensa Fernando Henrique

O ex-presidente não mede elogios à amiga Ilona e sua “invejável habilidade para organizar redes pela internet”: “Em poucas palavras, a competência técnica, a devoção ao trabalho e a capacidade organizacional de Ilona a fazem uma das mais brilhantes profissionais de sua geração.”

Uma linhagem de gênios

Ilona faz jus à fama. Fala cinco idiomas: inglês, espanhol, francês, russo e letão (os dois últimos ela diz que estão meio “esquecidos”). Depois abre parênteses, para dizer que isso “não é muito”, já que a sua mãe fala sete línguas.

Não é só inteligente…

Ilona também chama atenção pela sua beleza. E tem resposta para tudo.

O amor

“Sou casada com um gringo, ele é canadense e nos conhecemos numa conferência no Panamá. É acadêmico e dirigia uma ONG sobre armas e violência. Depois de um relacionamento à distância, eu o importei para o Brasil. Hoje trabalha como diretor de Pesquisa do Igarapé, nada sai daqui sem passar por ele.”

Salmão com aspargos

O marido gringo é Robert Muggah, que também é um “ótimo cozinheiro” e recentemente fez salmão com aspargos para o amigo Fernando Henrique.

Amante da cultura popular

“Na verdade, sinto muita falta do meu forró pé de serra, adoro Gonzagão e Dominguinhos. Já coloquei até meu marido gringo para fazer umas aulas — diz, às gargalhadas.”

Personalidade singular

Ilona também tem umas contradições curiosas. Considera-se uma glutona, mas na hora de almoçar escolhe peixe e legumes grelhados, feitos na sede do instituto sob a supervisão da professora de ioga (“ela reclama quando tem muito creme”, diz). Apesar de ter morado em países gelados, odeia frio.

Caminho para o encerramento

Como diz a reportagem do Globo, ela é mesmo curiosa! Superiormente generosa, resolve ser benevolente com o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, mas volta ao ataque: “Quero deixar bem claro que não tenho nada contra o doutor Laranjeira, só achei que ele prestava um desserviço ao divulgar dados desatualizados.”
Atenção! Nem no Roda Viva nem na reportagem do Globo, Ilona disse que “dados desatualizados” são esses. Ela, sim, mistifica ao viver exibindo por aí o suposto sucesso da descriminação das drogas em Portugal. Sucesso? Aumentou o consumo (à diferença do que se propaga), aumentou o tráfico, e aumentou a violência.
A reportagem, claro!, para mostrar que está atenta ao “outro lado”, vai ouvir Laranjeira. Inadvertidamente, o médico decidiu falar: “É jovem e muito articulada, mas tem argumentos científicos inconsistentes. No fundo, é uma ideóloga”.
Considerando que Laranjeira está logo no primeiro parágrafo do texto e que se trata, como já disse, de uma panegírico que assevera a beleza, a genialidade, a precocidade, a fluência e as boas amizades de Ilona, a coisa poderia parar por aí. Mas quê… Vai que um ou outro leitor acreditem no doutor… Vem, então, aquela história do papa, que arremata o perfil do mito. Transcrevo mais uma vez:

Ilona não se deixa abater. É enfática ao dizer que poderia ter convencido até o Papa Francisco, em sua visita ao Rio, a ser favorável à descriminalização das drogas: “Eu tenho certeza de que, se tivesse conversado com o Papa, ele não seria contra. Ele, na verdade, ainda não entendeu o que é a descriminalização das drogas de fato. Disseram a ele que é ‘liberou geral’, mas é mentira. Não defendo nada que vá ferir valores cristãos, muito pelo contrário. Eu luto pela vida.”

Encerro mesmo

Quer lutar em favor da morte com dados desatualizados, leitor? É só discordar de Ilona. É claro que essa história, meus caros, não se encerra com o surgimento deste novo mito. A deusa que desbancou Palas Athena tem uma causa que está sendo debatida no Congresso. E seu discurso — e o dos que pensam como ela — se assenta numa mentira essencial, que não é mera questão de escolha ou de juízo de valor. Ainda hoje, volto ao assunto.
Debesu Dievs!
Quer dizer “Deus do Céu!”. Em letão (vi no dicionário… Sei lá se é isso mesmo!). É uma pena Lima Barreto já ter morrido. Depois de “O homem que falava javanês”, temos “A mulher que fala letão”. E que, acima de tudo, argumenta em letão, embora a gente seja tentado a achar que fala português.

Por Reinaldo Azevedo

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