'A cracolândia nunca acabou', diz mãe de dependente químico em SP

'A cracolândia nunca acabou', diz mãe de dependente químico em SP

Cabeleireira diz que o filho, usuário de crack há 12 anos, continua no local.
Para ela, combate à droga é tratado com 'romantismo' pelo estado. 

Lívia Machado e Paulo Toledo Piza Do G1 São Paulo
    Renato pichou a parede do banheiro do local onde usa mãe trabalha com questionamentos e pedidos de perdão (Foto: Lívia Machado/G1)
    Renato pichou a parede do banheiro do local onde
    a mãe trabalha com questionamentos e pedidos
    de perdão (Foto: Lívia Machado/G1)
A cabeleireira Rosana convive há mais de uma década com o vício em crack do filho Renato, de 28 anos. Ela já perdeu as contas de quantas vezes o jovem deixou a casa onde mora rumo à cracolândia, no Centro de São Paulo. Um ano após Prefeitura, governo do estado e forças de segurança intensificarem as ações na região, a mãe garante que "a cracolândia nunca acabou".
Ele não saiu da cracolândia. Ele se desloca de um lugar ao outro, quando a pressão policial ocorre. O dependente de crack anda muito, muitos quilômetros por dia, e sempre fica com os pés feridos de tanto andar ou correr"
Rosana, mãe de dependente de crack
 
(O G1 publica, nesta semana, uma série de reportagens sobre o consumo de crack e como é feito o tratamento de dependentes. Foram ouvidos os órgãos públicos responsáveis pelo atendimento aos usuários e pelo combate ao vício, como o Ministério da Saúde e Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de pesquisadores, médicos e pacientes. O governo federal liberou recursos para estados e municípios sem conhecer a dimensão do problema.)

Na visão de Rosana, a medida provocou um falso êxodo. A migração dos dependentes para outras áreas da cidade não destituiu a cracolândia do posto oficial da venda e consumo. "Ele não saiu da cracolândia. Ele se desloca de um lugar ao outro, quando a pressão policial ocorre. O dependente de crack anda muito, muitos quilômetros por dia, e sempre fica com os pés feridos de tanto andar ou correr".
Renato é um rapaz inteligente, interessado por literatura e esportes. No futebol, tinha talento, segundo a mãe, e era benquisto nos times de bairro. Perdia a vaga de titular (e os colegas) quando passava a ser supeito de furtos. "Ele jogava bem, e era sociável. Mas quando começou a usar droga, roubava pra custear o vício. Era ágil e dissimulado nessas horas", conta.
Dentro de casa, ele também perdeu espaço por conta da delinquência. Quando retorna, não tem mais quarto, tampouco cama. Rosana mantém um armário no canto da sala, onde guarda uma coberta e os objetos de higiene pessoal de Renato – itens liberados mediante negociação. "Ele só tem acesso se estiver disposto a mudar de vida, se tratar. Tem que ter uma troca. Não posso facilitar", diz.
Ela impõe um controle para evitar novos prejuízos. A camiseta do time de futebol inglês Chelsea é a preferida do rapaz, e uma das poucas roupas que sobrou no armário. "Se deixar, ele vende na rua". A mãe controla até o uso do cortador de unha. "Falo que, se ele levar e vender, ficará sem quando retornar, e não terá como cortar as unhas. Ele sempre gostou de se cuidar, de estar limpo, arrumado."
Rosana já resgatou o filho na cracolândia e pagou dívidas de drogas do rapaz. Hoje, ele é jurado de morte no bairro onde a família vive por dever a traficantes locais. Renato tentou se tratar pela primeira vez aos 16 anos e já soma 10 internações ao longo dos 12 anos de vício.
mapa_cracolandias_sao_paulo_300 (Foto: Editoria de Arte / G1)
Ação policial completa 1 ano
Em 3 de janeiro de 2012 foi intensificada a Operação Integrada Centro Legal, com objetivo de combater o tráfico e dar tratamento aos usuários com ações de agentes de saúde, sociais e da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana.
Um ano depois, dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além e flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. A chamada cracolândia resiste e ganha "filiais".
Depois de a operação começar, o número de vias da região frequentadas por usuários saltou de 17 para 33. O levantamento é da Coordenadoria de Atenção às Drogas, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura.
A Operação Integrada Centro Legal existe desde 2009, mas, no início do ano passado, quando passou a contar com policiais militares e guardas-civis, parte dos viciados da cracolândia começou a migrar para outras regiões da cidade, numa fuga chamada por eles de "procissão do crack".
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, já foram identificados grupos de viciados em entorpecentes em dez bairros: Sé, Santa Cecília, República e Bela Vista (no Centro); Cambuci e Itaim Bibi (Zona Sul); Pari (Zona Norte); Mooca e Belém (Zona Leste); e Barra Funda (Zona Oeste).
Internação compulsória
A cabeleireira acredita que, no caso do crack, não existe outra opção a não ser a internação involuntária. "O dependente químico do crack não tem como decidir, pensar, já que a droga atua tão destrutivamente que o cérebro fica comprometido", defende.
O dependente químico do crack não tem como decidir, pensar, já que a droga atua tão destrutivamente que o cérebro fica comprometido"
Rosana, mãe de dependente de crack
Os especialistas que se posicionam contra a internação compulsória costumam argumentar que as intervenções sem a vontade do dependente geram uma taxa de fracasso alta no tratamento e o consequente retorno ao uso da droga. Para a psicóloga Miriam Debieux Rosa, do Instituto de Psicologia da USP, a internação compulsória não pode ser usado como tratamento ao usuário.
“Penso que a internação compulsória é um procedimento de emergência psiquiátrica em casos específicos e sempre de tempo curto. Sou contra este procedimento, que não é tratamento, como política pública para um conjunto de pessoas com diferentes condições físicas e mentais. Além de não ser tratamento, a internação compulsória tem efeitos nocivos e envolve outras problemáticas - sociais, políticas e psíquicas”, disse ao G1.
Apesar dos argumentos contrários à prática, há quem defenda a internação compulsória. "Não tem jeito, somente recolhendo todos eles para uma internação compulsória é que poderemos, após os primeiros 30 ou 60 dias, oferecer uma opção de tratamento para esse indivíduo", diz o consultor Fabian Penyy Nacer, ex-viciado que não vê êxito em abordagens quando o usuário está sob efeito da droga.
"Abordando-o na rua, você só vai conseguir falar com o demônio do crack que se instalou dentro dele e não conseguirá, de fato, conversar com o ser humano que existe dentro dele", defende. Sabendo da dificuldade em conversar com alguém sob efeito da droga, os agentes da saúde não abordam viciados durante o consumo.
Amoroso
Semanas antes da última das inúmeras vezes que saiu de casa, Renato recomendou um link em sua página pessoal no Facebook. A reportagem indicada falava sobre a crise no Palmeiras, time pelo qual sempre foi torcedor aficionado. No post, ele pedia força ao clube, que na época cambaleava na série A do Campeonato Brasileiro. O rapaz voltou para as ruas antes do rebaixamento do time.
No banheiro do trabalho da mãe, Renato deixou inúmeros recados e desabafos. Quase todos pichados em inglês. "Quando ele está bem, é amoroso, pede ajuda, diz que quer se tratar", lembra a cabeleireira.
 
'Epidemia' de crack
Para a mãe, o estado minimiza danos do que define como "epidemia de crack", e não se empenha em combatê-lo. "As pessoas que estão comandando esta guerra tratam o assunto com romantismo em verso e prosa. Falta muito arsenal e gente para cuidar disto", disse.
O atendimento proposto aos usuários é feito pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps). A assistência é ambulatorial, voluntária, e pede a participação da família no processo. Mesmo com o filho na rua, Rosana frequenta o serviço semanalmente. Avalia como positivo o suporte, mas questiona o método.
"Meu filho já foi internado mais de 10 vezes em diversas instituições. Algumas vezes por vontade própria. Há dois anos ele iniciou o tratamento no Caps. Não posso afirmar que o sistema é ineficaz, mas para o meu filho não funcionou. Falta um serviço que tenha condições de lidar com o dependente resistente", afirma.
Organizações ligadas a igrejas tentam vencer o crack pela fé. Uma delas é a católica Missão Belém, que afirma ter recuperado dezenas de viciados. A diferença na abordagem é que boa parte dos agentes algum dia já dividiu o cachimbo do crack com outros usuários.
Paredes pichadas por Renato em banheiro do trabalho da mãe  (Foto: Lívia Machado/G1)
 (Foto: Lívia Machado/G)

"Perdi toda a família, acabei na rua completamente cego pela droga. Pegava lixo para comer", lembra o barman Fabrício Gomes, de 28 anos. Após frequentar por dois anos a "terra do crack", ele foi convidado a frequentar a missão. Depois de abandonar o vício, voltou à cracolândia. "Vou lá para fazer o mesmo convite que recebi." 


Fonte - G1Exelente Matéria - Mais 24 Hrs de Paz e Serenidade
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