'A cracolândia nunca acabou', diz mãe de dependente químico em SP
Cabeleireira diz que o filho, usuário de crack há 12 anos, continua no local.
Para ela, combate à droga é tratado com 'romantismo' pelo estado.
Para ela, combate à droga é tratado com 'romantismo' pelo estado.
A cabeleireira Rosana convive há mais de uma década com o vício em
crack do filho Renato, de 28 anos. Ela já perdeu as contas de quantas
vezes o jovem deixou a casa onde mora rumo à cracolândia, no Centro de
São Paulo. Um ano após Prefeitura, governo do estado e forças de
segurança intensificarem as ações na região, a mãe garante que "a
cracolândia nunca acabou".
(O G1 publica, nesta semana, uma série de
reportagens sobre o consumo de crack e como é feito o tratamento de
dependentes. Foram ouvidos os órgãos públicos responsáveis pelo
atendimento aos usuários e pelo combate ao vício, como o Ministério da
Saúde e Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de pesquisadores,
médicos e pacientes. O governo federal liberou recursos para estados e
municípios sem conhecer a dimensão do problema.)
Saiba mais:
- Governo libera R$ 738 milhões sem conhecer 'epidemia' de crack
- Um ano após operação no Centro de SP, cracolândia resiste e ganha filiais
- Usuários de droga transformam vias de Cidade Dutra em nova cracolândia
- Secretaria e PM dizem que liminar não muda ação na Cracolândia
- Justiça dá liminar que limita ação da PM contra viciados na Cracolândia
Na visão de Rosana, a medida provocou um falso êxodo. A migração dos
dependentes para outras áreas da cidade não destituiu a cracolândia do
posto oficial da venda e consumo. "Ele não saiu da cracolândia. Ele se
desloca de um lugar ao outro, quando a pressão policial ocorre. O
dependente de crack anda muito, muitos quilômetros por dia, e sempre
fica com os pés feridos de tanto andar ou correr".
Renato é um rapaz inteligente, interessado por literatura e esportes.
No futebol, tinha talento, segundo a mãe, e era benquisto nos times de
bairro. Perdia a vaga de titular (e os colegas) quando passava a ser
supeito de furtos. "Ele jogava bem, e era sociável. Mas quando começou a
usar droga, roubava pra custear o vício. Era ágil e dissimulado nessas
horas", conta.
Dentro de casa, ele também perdeu espaço por conta da delinquência.
Quando retorna, não tem mais quarto, tampouco cama. Rosana mantém um
armário no canto da sala, onde guarda uma coberta e os objetos de
higiene pessoal de Renato – itens liberados mediante negociação. "Ele só
tem acesso se estiver disposto a mudar de vida, se tratar. Tem que ter
uma troca. Não posso facilitar", diz.
Ela impõe um controle para evitar novos prejuízos. A camiseta do time
de futebol inglês Chelsea é a preferida do rapaz, e uma das poucas
roupas que sobrou no armário. "Se deixar, ele vende na rua". A mãe
controla até o uso do cortador de unha. "Falo que, se ele levar e
vender, ficará sem quando retornar, e não terá como cortar as unhas. Ele
sempre gostou de se cuidar, de estar limpo, arrumado."
Rosana já resgatou o filho na cracolândia e pagou dívidas de drogas do
rapaz. Hoje, ele é jurado de morte no bairro onde a família vive por
dever a traficantes locais. Renato tentou se tratar pela primeira vez
aos 16 anos e já soma 10 internações ao longo dos 12 anos de vício.
Ação policial completa 1 ano
Em 3 de janeiro de 2012 foi intensificada a Operação Integrada Centro Legal, com objetivo de combater o tráfico e dar tratamento aos usuários com ações de agentes de saúde, sociais e da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana.
Em 3 de janeiro de 2012 foi intensificada a Operação Integrada Centro Legal, com objetivo de combater o tráfico e dar tratamento aos usuários com ações de agentes de saúde, sociais e da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana.
Um ano depois, dados da administração municipal e da Defensoria
Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes
químicos, além e flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. A chamada cracolândia resiste e ganha "filiais".
Depois de a operação começar, o número de vias da região frequentadas
por usuários saltou de 17 para 33. O levantamento é da Coordenadoria de
Atenção às Drogas, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria
da Prefeitura.
A Operação Integrada Centro Legal existe desde 2009, mas, no início do
ano passado, quando passou a contar com policiais militares e
guardas-civis, parte dos viciados da cracolândia começou a migrar para
outras regiões da cidade, numa fuga chamada por eles de "procissão do
crack".
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo,
já foram identificados grupos de viciados em entorpecentes em dez
bairros: Sé, Santa Cecília, República e Bela Vista (no Centro); Cambuci e
Itaim Bibi (Zona Sul); Pari (Zona Norte); Mooca e Belém (Zona Leste); e
Barra Funda (Zona Oeste).
Internação compulsória
A cabeleireira acredita que, no caso do crack, não existe outra opção a não ser a internação involuntária. "O dependente químico do crack não tem como decidir, pensar, já que a droga atua tão destrutivamente que o cérebro fica comprometido", defende.
A cabeleireira acredita que, no caso do crack, não existe outra opção a não ser a internação involuntária. "O dependente químico do crack não tem como decidir, pensar, já que a droga atua tão destrutivamente que o cérebro fica comprometido", defende.
Os especialistas que se posicionam contra a internação compulsória
costumam argumentar que as intervenções sem a vontade do dependente
geram uma taxa de fracasso alta no tratamento e o consequente retorno ao
uso da droga. Para a psicóloga Miriam Debieux Rosa, do Instituto de
Psicologia da USP, a internação compulsória não pode ser usado como
tratamento ao usuário.
“Penso que a internação compulsória é um procedimento de emergência
psiquiátrica em casos específicos e sempre de tempo curto. Sou contra
este procedimento, que não é tratamento, como política pública para um
conjunto de pessoas com diferentes condições físicas e mentais. Além de
não ser tratamento, a internação compulsória tem efeitos nocivos e
envolve outras problemáticas - sociais, políticas e psíquicas”, disse ao
G1.
Apesar dos argumentos contrários à prática, há quem defenda a
internação compulsória. "Não tem jeito, somente recolhendo todos eles
para uma internação compulsória é que poderemos, após os primeiros 30 ou
60 dias, oferecer uma opção de tratamento para esse indivíduo", diz o
consultor Fabian Penyy Nacer, ex-viciado que não vê êxito em abordagens
quando o usuário está sob efeito da droga.
"Abordando-o na rua, você só vai conseguir falar com o demônio do crack
que se instalou dentro dele e não conseguirá, de fato, conversar com o
ser humano que existe dentro dele", defende. Sabendo da dificuldade em
conversar com alguém sob efeito da droga, os agentes da saúde não
abordam viciados durante o consumo.
Amoroso
Semanas antes da última das inúmeras vezes que saiu de casa, Renato recomendou um link em sua página pessoal no Facebook. A reportagem indicada falava sobre a crise no Palmeiras, time pelo qual sempre foi torcedor aficionado. No post, ele pedia força ao clube, que na época cambaleava na série A do Campeonato Brasileiro. O rapaz voltou para as ruas antes do rebaixamento do time.
Semanas antes da última das inúmeras vezes que saiu de casa, Renato recomendou um link em sua página pessoal no Facebook. A reportagem indicada falava sobre a crise no Palmeiras, time pelo qual sempre foi torcedor aficionado. No post, ele pedia força ao clube, que na época cambaleava na série A do Campeonato Brasileiro. O rapaz voltou para as ruas antes do rebaixamento do time.
No banheiro do trabalho da mãe, Renato deixou inúmeros recados e
desabafos. Quase todos pichados em inglês. "Quando ele está bem, é
amoroso, pede ajuda, diz que quer se tratar", lembra a cabeleireira.
'Epidemia' de crack
Para a mãe, o estado minimiza danos do que define como "epidemia de crack", e não se empenha em combatê-lo. "As pessoas que estão comandando esta guerra tratam o assunto com romantismo em verso e prosa. Falta muito arsenal e gente para cuidar disto", disse.
Para a mãe, o estado minimiza danos do que define como "epidemia de crack", e não se empenha em combatê-lo. "As pessoas que estão comandando esta guerra tratam o assunto com romantismo em verso e prosa. Falta muito arsenal e gente para cuidar disto", disse.
O atendimento proposto aos usuários é feito pelo Centro de Atenção
Psicossocial (Caps). A assistência é ambulatorial, voluntária, e pede a
participação da família no processo. Mesmo com o filho na rua, Rosana
frequenta o serviço semanalmente. Avalia como positivo o suporte, mas
questiona o método.
"Meu filho já foi internado mais de 10 vezes em diversas instituições.
Algumas vezes por vontade própria. Há dois anos ele iniciou o tratamento
no Caps. Não posso afirmar que o sistema é ineficaz, mas para o meu
filho não funcionou. Falta um serviço que tenha condições de lidar com o
dependente resistente", afirma.
Organizações ligadas a igrejas tentam vencer o crack pela fé. Uma delas
é a católica Missão Belém, que afirma ter recuperado dezenas de
viciados. A diferença na abordagem é que boa parte dos agentes algum dia
já dividiu o cachimbo do crack com outros usuários.
(Foto: Lívia Machado/G) |
"Perdi toda a família, acabei na rua completamente cego pela droga.
Pegava lixo para comer", lembra o barman Fabrício Gomes, de 28 anos.
Após frequentar por dois anos a "terra do crack", ele foi convidado a
frequentar a missão. Depois de abandonar o vício, voltou à cracolândia.
"Vou lá para fazer o mesmo convite que recebi."
Fonte - G1Exelente Matéria - Mais 24 Hrs de Paz e Serenidade
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