A política antidrogas da Holanda e a descriminalização da maconha
Radar Global
A pesquisadora Vanda Felbab-Brown, professora da Universidade Georgetown e analista do Brookings Institution, falou ao Estado sobre
vantagens e desvantagens da descriminalização da maconha e deu detalhes
de como funciona a política holandesa antidrogas. A seguir, alguns
trechos da extrevista.
O que a sra. acha da descriminalização de drogas leves, como a maconha? É uma solução?
A legalização não reduzirá o estrago nas sociedades que consomem e
produzem droga. No entanto, não acredito que só essa política de
repressão funcione. Colocar os usuários na cadeia, também não adianta. É
errado. O foco deveria ser na prevenção. As pessoas deveriam aprender a
não usar drogas, do mesmo modo como são bombardeadas com informações
antitabagistas.
Legalizar aumentaria o consumo?
Há evidências indicando que aumentaria. O que a gente ainda não sabe é
quanto. A prioridade de uma boa política antidrogas deveria ser
tratamento e prevenção. Outro problema da legalização é que ela não
funcionaria no campo internacional. Existem boas razões para que algumas
substâncias tenham sua venda restrita ou proibida. Por exemplo, não
acho que deva haver um comércio legal de urânio. Além disso, os grupos
criminosos não desaparecerão por causa da legalização. Em Mianmar,
quando erradicaram a papoula, os bandidos passaram para o contrabando de
madeira, com resultados ainda piores. Criminosos simplesmente passarão
para outro tipo de crime. Eles podem até começar a controlar a economia
legal. Foi o caso da máfia nos EUA, nos anos 30, depois da Lei Seca.
Eles passaram a controlar os sindicatos. O crime não retrocedeu e o
nível de violência voltou a ser o mesmo. Em Chicago, acabaram os
tiroteios com a polícia, mas os criminosos passaram a controlar os
políticos da cidade, a viver de extorsão e do contrabando de cigarros.
Em alguns aspectos, ficaram até mais fortes e perigosos porque se
misturaram com a vida política e em atividades legais.
Como você avalia a política antidrogas da Holanda?
É bastante efetiva, mas tem coisas mal resolvidas. Em primeiro lugar,
os holandeses não legalizaram nada. Eles apenas descriminalizaram a
maconha para uso pessoal. Mais do que isso, permitiram a venda legal de
alguma quantidade de maconha em determinados lugares. No entanto, a
produção e o comércio de grandes quantidades de maconha continuam
ilegais. Isso é muito problemático porque se você é o dono de um coffee
shop, está autorizado a vender para um usuário, mas não pode legalmente
comprar para seu estabelecimento. É importante lembrar também que as
drogas pesadas continuam proibidas na Holanda.
É importante diferenciar as drogas leves das pesadas do ponto de vista legal?
Existe uma polêmica sobre a droga leve servir de trampolim para a
droga mais pesada. Alguns especialistas acham que se você fuma maconha,
está mais propenso a experimentar uma droga mais forte. Se você acredita
nisso, tem de lutar para que a maconha não seja descriminalizada. Os
holandeses não acreditam nisso. Para eles, o usuário de drogas leves só
completa essa transição porque o mesmo traficante que vende o baseado é
aquele que vende a cocaína. Se ele conviver com o mesmo traficante,
eventualmente, ele acabará oferecendo a cocaína para seus compradores.
Os holandeses quiseram separar os dois mercados. Para eles, essa
estratégia funcionou bem. Quando analisamos os índices de prevalência do
uso de maconha, verificamos que os da Holanda são ligeiramente
superiores aos da Europa Ocidental, mas menores do que os índices dos
EUA. O uso de drogas pesadas na Holanda está na mesma média da Europa e é
menor do que nos EUA.
A sra. não acha que é muito fácil manter essa política em um país com recursos financeiros, como a Holanda?
É claro. A chave para o sucesso da Holanda, além da
descriminalização, é um programa forte de prevenção, de tratamento e um
sistema de saúde eficaz, que cobre quase toda a população. Se você não
tiver essa base, não adianta descriminalizar que não terá o mesmo
efeito. A política antidroga de um país deve ser moldada a sua
realidade, muito mais do que importada de outro lugar.
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