Governo espanhol quer multar pais que não impeçam bebedeiras dos filhos

Governo espanhol quer multar pais que não impeçam bebedeiras dos filhos

Governo espanhol quer multar pais que não impeçam bebedeiras dos filhos
É só uma proposta e nem sequer está redigida em um projeto ou rascunho de texto legal. O delegado do governo espanhol para o Plano Nacional sobre Drogas (PND), Francisco Babín, propôs na quarta-feira que os pais possam ser multados caso seus filhos menores vão com frequência a um pronto-socorro com intoxicação ou coma etílico. O objetivo não é penalizar a conduta dos jovens ou adolescentes, senão a falta de diligência no cuidado ou na tutela que os pais demonstram ao permitir que esses casos se repitam. "Tolerar ou favorecer por inação o consumo excessivo e reiterado de álcool é uma forma de maltratar o menor, porque afeta suas capacidades futuras", afirma Babín. "Não esqueçamos que o álcool mata neurônios", acrescenta o delegado do PND, dependente do Ministério da Saúde.

Os especialistas duvidam da eficácia da medida, basicamente porque quase não há casos de menores que repitam uma intoxicação etílica. "No meu hospital não vimos nenhum", afirma Santiago Mintegi, médico de emergências no Hospital de Cruces (Bilbao) e coordenador do Observatório Toxicológico da Sociedade Espanhola de Urgências de Pediatria. "Não creio que ninguém, nem sequer o governo, pense que o problema será solucionado com essa medida, mas pelo menos estamos falando disso, e é bom", afirma.

Existem basicamente dois perfis de pacientes que chegam a emergências com intoxicação etílica: os alcoólicos e os adolescentes que vêm de festas ou lugares de lazer, explica Juan González Armengol, chefe de seção do hospital Clínico de Madri e presidente da Sociedade Espanhola de Medicina de Urgência e Emergências (Semes), em Madri. "É muito raro o reincidente do segundo perfil. Eu não lembro de nenhum. E, se houvesse, os que têm de agir são outro tipo de recursos sociais", acrescenta esse médico que trabalha em emergências desde 1999 no hospital público mais próxima à região de Moncloa, lugar habitual de bebedeiras na capital. "Além disso, não temos notícia de nenhum estudo que afirme que as multas reduzam a reincidência nas intoxicações."

Nem sequer seria fácil detectar que um adolescente voltou ao hospital por beber demais. A Espanha não tem um sistema de histórico clínico digital que permita consultar o histórico de um paciente em qualquer centro médico. "A maioria dos pacientes procura de forma prioritária as emergências do hospital de seu bairro", replica Babín, que reconhece que seu objetivo ao colocar a proposta é abrir o debate para sopesar os prós e os contras.

O ministério estuda incluir esse tipo de sanção - das quais, por enquanto, se desconhece o valor - no anteprojeto de lei para a prevenção do consumo de bebidas alcoólicas em menores de idade, que já foi anunciado pela ministra Ana Mato em 13 de abril passado no Senado. Fontes da Saúde propõem - embora sempre com cautela por ser uma ideia prematura - que os funcionários da Saúde denunciem às forças de segurança cada intoxicação etílica que tratem em emergências (como já fazem nos casos de violência doméstica ou de gênero), e que os agentes façam a conta para posteriormente impor aos pais as sanções correspondentes.

Outro dos possíveis obstáculos é a Lei de Autonomia do Paciente, que estabelece a maioridade sanitária aos 16 anos. Não é necessário informar aos pais ou tutores sobre a internação hospitalar de um paciente de 16 a 18 anos. A lei, entretanto, prevê uma ressalva em caso de "atuação de grave risco" para o menor. Diante dessas situações, o atendente pode informar aos pais e levar em conta sua opinião. "Nós avisamos a família", explica Manuel Quintana, coordenador de emergências no hospital de La Paz. Além disso, em caso de intoxicação os hospitais dão parte ao juizado. "Se vêm dois ou três casos do mesmo lugar ou da mesma festa, somos muito rígidos e avisamos a polícia", acrescenta Quintana. Babín não vê contradição entre a proposta e essa norma. "A intoxicação reiterada é suficientemente grave para se denunciar", afirma o delegado do PND, que lembra que a futura lei que regulamentará a proposta poderia reformar a de autonomia do paciente caso estivesse em conflito com ela.
Os especialistas alertam sobre um possível efeito pernicioso das sanções aos pais: que os adolescentes evitem ir ao hospital. "Pode ser, e é preciso ter cuidado. Deve-se avaliar o que se ganha com uma medida assim e as consequências que pode ter", afirma González Armengol. Babín, porém, reduz sua importância: "Muitas vezes são os próprios amigos do menor alcoolizado que o levam para sua casa e avisam seus pais, que depois se encarregam de levá-lo ao hospital", afirma.
 
Emergências por álcool dobram em dez anos

Ocorrem muitas intoxicações etílicas em menores de idade? Mais que antes? Não há muitos estudos sobre a incidência desse tipo de atendimento de saúde nos serviços de emergência dos hospitais espanhóis. Um dos poucos trabalhos recentes que as estudaram conclui que em pouco menos de dez anos as bebedeiras que acabam no hospital duplicaram. "A mudança mais chamativa nos últimos dez anos é o aumento significativo das consultas em maiores de 12 anos por intoxicações etílicas com fim recreativo", afirma o artigo, assinado por profissionais do serviço de emergências de pediatria do hospital de Cruces, em Bilbao, e publicado na revista "Emergencias" em 2012.
"Hoje o etanol é a principal causa de intoxicações pediátricas atendidas no hospital, e estas se transformaram em uma consulta mais habitual, sobretudo nas tardes e noites de fins de semana", salienta o texto, que compara dados procedentes de diversos hospitais nos períodos de 2001-2001 e 2008-2010. "A idade desses pacientes diminuiu, o que pode indicar que o contato com o etanol com fim recreativo ocorre atualmente em idades mais precoces", acrescenta.

Enquanto as intoxicações alcoólicas dispararam - o artigo constata que os pacientes não chegam em pior estado que há dez anos -, as devidas a medicamentos ou produtos domésticos, mais comuns em crianças menores, diminuíram. O padrão mais habitual "corresponde a jovens de 13 e 14 anos que consomem álcool com fim recreativo e são trazidos para os hospitais pelos sistemas de emergências", destaca o artigo. "Era algo evidente na prática diária", explica Santiago Mintegi, médico de emergências do hospital de Cruces e um dos autores do estudo. "Antes era raríssimo encontrar um caso de intoxicação etílica, e hoje não. Você vai trabalhar em uma noite de sexta ou sábado e chegam casos de maneira bastante frequente. A sensação que nós médicos tínhamos foi transferida para os dados", acrescenta.
A idade média de início do consumo de álcool na Espanha está em 13,7 anos, e três em cada quatro menores entre 14 e 18 anos consomem esse tipo de bebida; entre esses quatro anos, o consumo aumenta exponencialmente. Enquanto 48% dos de 14 anos bebem, a porcentagem sobe para 86% entre os de 18 anos, segundo dados do Plano Nacional sobre Drogas.
 
Tradutor - Luiz Roberto Mendes Gonçalves 
Fonte - UOL

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