Análise: Se tiver alternativa, viciado é capaz de preterir a droga
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
A pesquisa da Fiocruz sobre o consumo do crack contesta algumas
premissas do atual PLC 37/2013, projeto de lei de autoria do deputado
Osmar Terra (PMDB-RS) que altera a lei de drogas no país.
A primeira diz respeito ao número de usuários no país: os autores
estimam em pouco mais de 700 mil, contra estimativas anteriores de mais
de 1 milhão, o que justificaria medidas urgentes.
O segundo toca a proposta de internação compulsória: pelo estudo, 78,9% dos usuários já desejam o tratamento.
Mas há ainda uma pesquisa do neurocientista americano Carl Hart, da
Universidade Columbia, em Nova York, que quebra outros paradigmas sobre
usuários da droga.
Hart recrutou dependentes com anúncios no periódico "Village Voice" e selecionou quem topasse viver num hospital por algumas semanas.
Hart recrutou dependentes com anúncios no periódico "Village Voice" e selecionou quem topasse viver num hospital por algumas semanas.
Toda manhã, os voluntários recebiam uma dose --ora farta, ora modesta--
da droga. E, ao longo do dia, a mesma dose era ofertada ao lado de
alternativas como dinheiro ou cupons de compras.
Quando a dose era farta, eles tendiam a escolher a droga. Quando a dose
era menor, a tendência se invertia e eles escolhiam dinheiro ou cupom.
Ou seja, quando havia alternativas ao crack, usuários faziam escolhas
economicamente racionais, não impulsivas. O experimento sugere que
dependentes de crack não perdem a capacidade de fazer escolhas nem veem a
droga como algo irresistível.
Para Hart, que analisa esses dados no livro "High Price" (Harper
Collins), crucial é o papel do ambiente no uso do crack: sem
alternativas, a droga seria muito atraente.
O estudo da Fiocruz aponta que 40% dos usuários brasileiros estavam em
situação de rua, 30% começou a usar a droga após problemas familiares e
9% porque tinha uma vida sem perspectivas.
Se as evidências de Hart estiverem certas, a chave para tratá-los pode estar aí.
Fonte - Folha de São Paulo
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