Bebês abandonados por adolescentes viciadas em crack preocupam autoridades do Rio
DA AGÊNCIA BRASIL
A quantidade de bebês recém-nascidos abandonados por mães dependentes de
crack preocupa autoridades e especialistas no Rio de Janeiro.
Mensalmente a 1ª. Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital
fluminense recebe ao menos 80 pedidos de audiência para medida protetiva
de abrigamento a recém-nascidos.
"É uma coisa terrível e seríssima" lamentou a titular da vara, Ivone
Caetano. "Tenho agendados, no mínimo, três a quatro bebês saídos dos
hospitais, por dia, na minha vara. Fora os casos não agendados. E o
crack contribuiu muito para isso", disse a juíza.
A chefe-geral do Serviço de Assistência Social do Hospital Universitário
Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na
zona norte, Dayse Carvalho, contou que a maternidade envia semanalmente
para a Vara da Infância e da Adolescência da região até três
recém-nascidos. Algumas mães passam mais de uma vez pelo hospital.
"Desde 2002 temos visto um crescente dessas mães usuárias de drogas.
Naquela época levávamos um bebê para a vara a cada três meses ou mais.
De 2010 para cá, esse número tem variado entre dois e três bebês
semanalmente", contou a médica. Dayse Carvalho ressaltou que as mães não
abandonam efetivamente os bebês mas se mostram, na maioria das vezes,
incapazes de cuidar da criança. "Muitas choram quando perdem a guarda",
lamentou ela.
Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgada na
quinta-feira (19), aponta que cerca de 10% das mulheres usuárias de
crack relataram aos entrevistadores estar grávidas e mais da metade já
haviam engravidado ao menos uma vez depois que começaram a usar a droga.
Dayse disse que a nova realidade da maternidade e da pediatria do
hospital demandou a busca de parcerias. Uma das medidas tomadas foi o
trabalho Amar, de acompanhamento pediátrico dessas crianças, além de uma
parceria que está sendo costurada com o Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), também da Uerj.
A diretora do Nepad, Ivone Ponczek, explicou que a ideia do projeto é
tentar atrair essas mães para que façam pré-natal e trabalhar o vínculo
da mãe com o bebê para que as mulheres não desistam da criança. "São, em
geral, meninas completamente despreparadas para a maternidade, que não
tiveram mães, então a questão do vínculo e da maternidade é muito
complicado para elas", explicou a psicanalista.
"Algumas não têm o menor conhecimento do corpo, não sabem o que é
pulmão, não sabem nem a relação de causa e efeito entre o relacionamento
sexual e a gravidez", explicou ela, que defendeu ações socioeducativas e
doação de preservativos para esse público como medida preventiva de
doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
O Nepad desenvolve há 28 anos pesquisas e trabalhos terapêuticos
voltados para dependentes de todos os tipos de droga, com exceção do
álcool. Entretanto, segundo Ponczec, o crack é a principal droga entre
os dependentes atendidos no local.
"Estamos muito impactados, pois nunca pensamos que teríamos que lidar
com bebês, crianças, essa relação da mãe com o bebê. Estamos, inclusive,
criando um setor com espaço para a amamentação e para brinquedos.
Recebemos grávidas, mães com bebês, mesmo crianças, com 6, 7 anos, já
usuárias de crack", lamentou a especialista.
A especialista alertou que a situação é grave e pede atenção e esforços
por parte das autoridades e da sociedade. "Se não houver intervenção, há
o risco de uma continuação do quadro, de mais bebês na rua,
abandonados, reproduzindo a mesma história", avaliou Ponzcek.
O psiquiatra do Nepad, Paulo Telles, explicou que o crack estimula o
sexo para a obtenção de drogas, além de ser consumido em grande parte
por adolescentes e pessoas muito jovens. "Quanto mais drogas se usa,
menos prevenção se faz durante o sexo. São pessoas que não se cuidam e,
provavelmente, não vão cuidar de filhos", lamentou ele. O médico
informou que no Nepad, que o percentual de mulheres entre os usuários de
crack é maior do que entre os usuários de outras drogas.
Fonte - Folha de São Paulo
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