Estudo indireto com 25 mil pessoas mediu consumo por 6 meses em 2012.Nordeste lidera lista em números absolutos, e 14% do total são menores.
Um levantamento feito pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde em parceria com a
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da
Justiça, revela que cerca de 370 mil brasileiros de todas as idades
usaram regularmente crack e similares (pasta base, merla e óxi) nas
capitais ao longo de pelo menos seis meses em 2012.
Por "uso regular", foi considerado um
consumo de pelo menos 25 dias nos seis meses anteriores ao estudo, de
acordo com definição da Organização Panamericana de Saúde (Opas).
Esse número de 370 mil pessoas
corresponde a 0,8% da população das capitais do país e a 35% dos
consumidores de drogas ilícitas nessas cidades. Além disso, 14% do total
são crianças e adolescentes, o que equivale a mais de 50 mil usuários.
O crack em números:
370 mil usam a droga nas capitais80% dos usuários são homens80% usam droga em local público80% são não brancos
65% fazem 'bicos' para sobreviver60% são solteiros40% vivem nas ruas40% estão no Nordeste30% das usuárias já fizeram sexo para obter a droga10% das usuárias ouvidas estavam grávidasUsuários têm 8 vezes mais HIVTempo médio de uso é de 8 anos
16 é a média de pedras por dia
O estudo foi realizado com 25 mil
pessoas de forma domiciliar e indireta, ou seja, cada indivíduo
respondeu a questões sobre suas redes sociais (familiares, amigos e
colegas de trabalho residentes no mesmo município) de forma geral e
também especificamente sobre o uso de crack e outras drogas.
O
resultado, portanto, é uma estimativa do que ocorre nas 26 capitais e
no Distrito Federal – em outra pesquisa da Fiocruz, por exemplo, feita
de forma direta com 7 mil entrevistados em 112 municípios (incluindo
capitais e regiões metropolitanas) entre o fim de 2011 e junho de 2013, o
total não passou de 48 mil usuários de crack e similares. Segundo os
autores, a metodologia indireta, chamada Network Scale-up Method (NSUM),
permite que populações de difícil acesso (como presos, hospitalizados,
estudantes, militares, religiosos, fugitivos e vítimas de catástrofes)
também entrem nessa conta.
De acordo com o secretário da Senad,
Vitore Maximiano, essas duas pesquisas são as maiores já feitas sobre
crack no mundo, pelo número de entrevistados e pelo volume de dados
gerados.
"Somando-se os dois estudos, são 32 mil
questionários produzidos. Estamos investigando uma população oculta, que
tem dificuldade de revelar seu uso, suas prevalências, porque há a
questão criminal, a discriminação", destaca.
Maximiano diz que o usuário de crack,
conforme os resultados, é alguém que vive uma forte exclusão social, tem
baixa escolaridade e dificuldade de inserção no mercado de trabalho,
com predominância de indivíduos não brancos (80%) e em situação de rua.
Nordeste lidera ranking
Entre as regiões do Brasil, o Nordeste lidera o uso regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do Centro-Oeste, do Sul e do Norte (veja o gráfico acima). Além disso, cerca de 80% dos usuários dessas substâncias fazem isso em lugares públicos e de grande circulação, como as ruas.
Estamos investigando uma população oculta, que tem dificuldade de
revelar seu uso, suas prevalências, porque há a questão criminal, a
discriminação"
Vitore Maximiano, secretário da Senad.
Nas capitais do Sudeste e do
Centro-Oeste, o crack e similares correspondem a 52% e 47%,
respectivamente, de todas as drogas ilícitas (com exceção de maconha)
consumidas nessas cidades. Já no Norte, o crack tem uma participação
menor no total: cerca de 20%.
Além disso, as capitais do Nordeste são
as que concentram mais crianças e adolescentes usuários de crack e
similares, com 28 mil pessoas. No Sul e no Norte, esse número é de cerca
de 3 mil indivíduos em cada região.
Segundo Maximiano, o alto uso de crack
no Nordeste está ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local,
onde há uma população mais carente. Essa droga acaba sendo, portanto,
uma alternativa barata. Já no Sul, a relação é de ordem sociológica,
pois lá as pessoas tradicionalmente consomem mais drogas (sobretudo
injetáveis) que a média nacional. Nas mesmas cidades analisadas,
estima-se que 1 milhão de pessoas usem drogas ilícitas em geral
(cocaína, heroína, ecstasy, LSD, etc), com exceção de maconha. De acordo
com os autores, ainda não é possível fazer um estudo em todo o país
porque não há bancos de dados nacionais com informações suficientes
sobre grupos específicos da população.
Usuário difícil de encontrar
Na opinião do pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos, um dos coordenadores dos levantamentos, em estudos tradicionais com perguntas diretas não é possível identificar os usuários de crack e similares em casa, pois eles estão nas ruas. Para ter acesso a essas pessoas, então, é preciso ir em busca de suas redes de contatos.
Além de estarem fora de casa, os
indivíduos que consomem drogas como o crack são mais estigmatizados que
aqueles que usam maconha ou álcool, na opinião de Bastos. Por isso, a
maioria dos usuários não assume o vício.
Entre as perguntas feitas pelo método
indireto, incluídas em uma lista com cerca de 100 questões, estavam:
"Você conhece alguém que usa crack? Quantas pessoas?" Além disso, o
levantamento reuniu perguntas sobre o programa Bolsa Família e outros
assuntos que, depois, foram confirmados em cadastros oficiais das
capitais.
Sobre as "cracolândias", Bastos diz que
esse não é um fenômeno comum e está mais restrito a São Paulo e ao Rio
de Janeiro, pois para esses locais existirem é preciso de alguns
pré-requisitos, como grande densidade urbana, ausência do poder público
naquele determinado lugar e uma cadeia de distribuição de drogas de
grande porte.
O relatório da Fiocruz conclui que o
estudo indireto pode servir de base para futuras pesquisas sobre crack
com essa mesma metodologia, a fim de gerar uma série histórica
confiável. A partir dele, na visão dos autores, também é possível pensar
em políticas públicas e estratégias voltadas principalmente para
crianças e adolescentes.
Homem jovem, solteiro e de rua
O outro levantamento da Fiocruz, feito de forma direta com 7 mil pessoas de 18 anos ou mais em 112 municípios, entre 2011 e 2013, envolveu cerca de 400 perguntas e teve como base o método Time-Location Sampling (TLS), para analisar o perfil dos usuários e o cenário de consumo.
As
cidades pesquisadas foram as 26 capitais, o Distrito Federal, nove
regiões metropolitanas e municípios de médio e pequeno porte. Os locais
de estudo foram as próprias cenas de uso de crack e serviços de saúde
próximos. A média de idade dos entrevistados era de 30 anos. Por sexo,
os usuários se mostraram predominantemente homens, representando quase
80% do total. Em levantamentos anteriores sobre crack e cocaína, essa
proporção era menor: cerca de 60%, contra 40% de mulheres. Esse índice
encontrado agora, segundo a Fiocruz, tem relação com uma maior presença
masculina no tráfico e em cenários abertos de uso de drogas.
Entre as mulheres usuárias de crack
ouvidas, 10% estavam grávidas naquele momento e mais da metade já havia
engravidado pelo menos uma vez desde o começo do vício.
Além disso, a maioria (60%) dos usuários
de crack declarou ser solteira, 40% vivem nas ruas, 65% fazem trabalhos
esporádicos ou autônomos e muitos não chegaram a concluir o ensino
médio ou entrar no ensino superior. Atividades ilícitas, como tráfico de
drogas e furtos/roubos, foram admitidas por apenas 6,4% e 9% dos
entrevistados, respectivamente.
A principal motivação para usar crack e
similares foi curiosidade/vontade, apontada por mais da metade dos
entrevistados. Em seguida, vieram pressão dos amigos (26,7%) e problemas
familiares ou perdas afetivas (29,2%). O baixo preço da droga também
seria um fator contribuinte para a manutenção do vício ao longo do
tempo, mas não determinante para o início da experimentação.
O tempo médio de uso foi de 8 anos nas
capitais, contra 5 anos nos demais municípios. O número médio de pedras
utilizadas por pessoa nas capitais foi de 16 ao dia, contra 11 nas
outras cidades. O consumo dos homens foi mais prolongado, mas as
mulheres usaram mais pedras por dia – até 21, contra 13 dos homens.
Além desses dados, quase 30% das
usuárias de crack ouvidas admitiram trocar dinheiro ou drogas por sexo,
contra 1,3% dos homens. Elas também foram maioria nos casos de violência
sexual prévia: 44,5%, contra 7% no sexo masculino.
Mais de um terço de todos os usuários
entrevistados admitiu, ainda, não ter utilizado preservativo em nenhuma
das relações sexuais ocorridas naquele mês. E mais da metade (53,9%)
nunca havia feito um teste de HIV, o que é algo preocupante, pois os
usuários analisados apresentaram prevalência do vírus da Aids oito vezes
maior que a da população geral.
A
maioria (quase 75%) fumava crack em cachimbos, seguidos de latas
(51,8%) e copos plásticos com tampa de alumínio (28,3%). Além disso,
mais de 70% compartilhavam esses apetrechos, o que a Fiocruz chama
atenção pelo risco de transmissões virais como hepatites.
Dos entrevistados que já tiveram alguma
situação de overdose nos 30 dias anteriores à pesquisa, 44,7% passaram
por isso pelo uso de crack e 22,4% sofreram intoxicação aguda em
decorrência do abuso de álcool. E, ao todo, 41,6% relataram terem sido
detidos no último ano, por motivos como posse de drogas (quase 14%),
assalto/roubo (9,2%), furto/fraude/invasão de domicílio (8,5%) e tráfico
ou produção de drogas (5,5%).
Resposta do governo
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nesta quinta-feira (19), durante entrevista coletiva em Brasília, que será feito um plano de três eixos para enfrentar o crack no país: um de prevenção, um de cuidados e outro de autoridade.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nesta quinta-feira (19), durante entrevista coletiva em Brasília, que será feito um plano de três eixos para enfrentar o crack no país: um de prevenção, um de cuidados e outro de autoridade.
"(O primeiro) exige um conjunto de
medidas de orientação social, que possa esclarecer os malefícios do uso
do crack", explicou. Já o eixo de cuidados inclui tratar os usuários,
contratar bons profissionais e manter um número suficiente de unidades
de tratamento.
"O eixo autoridade tem a ver com medidas
de segurança pública e o enfrentamento rigoroso das organizações de
narcotraficantes", destacou.
O ministro afirmou também que os
usuários de crack devem ser considerados dependentes químicos e,
portanto, passíveis de tratamento, e não tratados com sanções penais.
"A maior parte dos usuários são pessoas
de extrema vulnerabilidade social. Quando você vai ouvi-las, ao
contrário do que muitos pensam, 80% querem tratamento e 92% querem apoio
para conseguir emprego ou ensino para se reinserir socialmente", disse
Cardozo.
Ações
Em dezembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff lançou um conjunto de ações integradas para o combate ao crack com orçamento de R$ 4 bilhões do governo federal. Na ocasião, a presidente anunciou a criação de 2.462 leitos destinados ao tratamento de usuários de drogas.
Segundo o ministério, foi investido
desde então R$ 1,5 bilhão em ações de implementação e custeio de
serviços que atendem aos usuários de crack, e 85 das 308 unidades de rua
previstas foram construídas. De acordo com o ministro, o programa segue
"estritamente" o cronograma para usar os recursos.
"Desde o início do programa isso passa
por uma pactuação com estados e municípios com a definição de uma matriz
de responsabilidade, para que a partir daí você consiga fazer a
alocação dos recursos", disse o ministro. "Você tem o tempo de
articulação do programa, que é exatamente o que foi feito para fazer
acordos e negociar com estados e municípios."
Segundo o governo, desde o início do
programa foram criados 1.885 novos leitos em 37 Centros de Álcool e
Drogas, 60 Unidades de Acolhimento, 85 Consultórios na Rua e enfermarias
especializadas em álcool e drogas.
Fonte - G1
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